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O controle das convenções processuais pelo juiz

por Marcelo Mazzola

05 de fevereiro de 2018

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O CPC/15 adota um modelo cooperativo de processo, valorizando a autonomia da vontade e a maior participação dos sujeitos processuais, sob perspectiva do contraditório na modalidade influência.

Afirma-se que as convenções processuais1 são a mais perfeita expressão do modelo cooperativo de processo2 e que a cooperação e o diálogo humano devem constituir o clima dominante no desenvolvimento do processo.3

Por meio das convenções processuais, algumas normas – em sua maioria cogentes e que regulamentariam o trâmite do feito – podem ser afastadas4, promovendo-se o deslocamento do polo criador da norma, atualmente nas mãos do Estado-Legislativo, para as partes.5

Embora as convenções processuais não sejam inéditas,6 o artigo 190 do CPC/157 consagra o protagonismo das partes, permitindo que tenham maior ingerência no controle dos rumos do processo e harmonizando, de certa forma, os interesses públicos e privados.

Diferentemente do CPC/73, em que não havia uma cláusula expressa,8 o referido dispositivo – verdadeira cláusula geral (espécie normativa com incompletude estrutural) – exige a construção e a interpretação pelo intérprete.9 Andou bem o legislador nesse ponto, já que seria impossível prever, de antemão, todas as hipóteses de negócios jurídicos processuais, o que poderia, inclusive, engessar a autonomia da vontade e a efetividade do instituto.

Com isso, as partes não estão presas à moldura legal (convenções típicas) e podem amoldar o procedimento às suas necessidades, afastando a aplicação da regra legislada em favor da norma convencional.10 Note-se que não se trata de ir contra legem, mas sim de construir um processo adequado, que possibilite a obtenção, em tempo razoável, de decisão de mérito justa e efetiva em plena cooperação (levando ao zênite o comando insculpido no art. 6º do CPC/15).

Impende destacar, porém, que essa maior autonomia da vontade das partes não impede o necessário (irrenunciável e inafastável) controle judicial sobre a regularidade da prática dos atos, a começar pela observância dos requisitos previstos na respectiva cláusula geral: capacidade das partes e possibilidade de autocomposição (art. 190, caput).11 Além disso, o parágrafo único do artigo 19012 explicita algumas situações em que o juiz pode controlar a validade das convenções processuais.

Com efeito, sob a ótica juridiscional, é imperioso o exame dos requisitos de existência, validade e eficácia das convenções processuais.

No plano da existência, devem ser analisados os requisitos mínimos para que a convenção possa produzir efeitos no mundo jurídico, devendo haver suporte fático (que compreende a manifestação do agente) para a incidência da norma.

Já na esfera de validade, compete ao magistrado verificar os requisitos para a celebração de qualquer negócio jurídico (arts. 104 e 166 do Código Civil), incluindo aqueles atinentes ao processo civil (legitimidade ad actum, por exemplo).13 Ou seja, incumbe ao juiz examinar a capacidade dos contratantes; a licitude do objeto e do motivo determinante; a forma prescrita em lei;14 as solenidades da lei; e a ausência do intuito de fraudar norma imperativa. A supressão de qualquer desses elementos pode invalidar a convenção processual.

Por fim, a eficácia do negócio jurídico (existente e válido) compreende a materialização dos efeitos pretendidos pelas partes. A rigor, a convenção terá efeito imediato, salvo se as partes pactuarem algo em sentido contrário, adicionando uma condição, termo ou encargo.15

Ainda nesse quadrante, vale pontuar que o artigo 190 do CPC/15 prevê que a possibilidade de autocomposição em relação ao direito é pressuposto para a realização de convenções processuais. Todavia, eventual indisponibilidade do direito material não impede as partes de realizarem negócios jurídicos envolvendo direito processual (escolha do perito, redistribuição do ônus da prova, suspensão do processo, alteração da data da audiência e etc.).16

Questão bastante tormentosa diz respeito aos limites das convenções processuais.

Há quem entenda que essa demarcação resulta do espaço deixado pelas normas cogentes. Assim, as fronteiras da autonomia da vontade seriam evidenciadas pelas normais processuais cuja aplicação seja inafastável pelos interessados.17

Para outra parcela da doutrina, as divisas da autonomia da vontade no processo estariam na chamada “ordem pública processual”,18 conceito vago e muito aberto.

Por sua vez, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero pontuam que as convenções processuais não podem atingir poderes do juiz ou envolver renúncia de direitos fundamentais.19

Já Antonio do Passo Cabral entende que nenhum desses critérios é suficiente para apontar um parâmetro seguro quanto aos limites das convenções processuais. Nessa vereda, assinala que o primeiro marco à convencionalidade seria a reserva da lei. Além disso, destaca que, em qualquer negócio jurídico, deve ser observada a boa-fé, a cooperação,20 a igualdade, o equilíbrio de poder, a proporcionalidade entre ganhos e perdas, o foco no resultado da negociação e os custos para os envolvidos.21

De fato, a discussão é complexa e é objeto de inúmeros livros, extravasando o intento desse ensaio, que consiste em fomentar o debate e uso das convenções processuais, bem como esboçar os contornos que teriam em um controle colaborativo.

O art. 190, parágrafo único, do CPC/15, estabelece que as convenções processuais poderiam ter sua aplicação recusada “somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.”

A inserção do advérbio “somente” pelo legislador revela o prestígio que se buscou dar às convenções processuais, privilegiando-se a autonomia da vontade. Assim, a recusa da convenção processual deve ser a exceção.

Nesse sentido, mesmo nas hipóteses previstas no parágrafo único do art. 190, o juiz poderia, antes de rechaçar de plano a validade de uma convenção processual, intimar os interessados (arts. 9º e 10 do CPC/15) para se manifestarem a respeito e eventualmente adequarem a convenção, consagrando assim o contraditório participativo, traço distintivo do estado democrático de direito.

Essa cautela pode ser profícua, uma vez que ainda que se trate de convenção estipulada em contrato de adesão,22 por exemplo, o ajuste pode beneficiar o aderente e lhe não causar qualquer prejuízo. Aliás, vale lembrar que o STJ já reconheceu a validade da cláusula de arbitragem em contrato de adesão23 e a doutrina também vem assim se posicionando.24

Portanto, a regra do parágrafo único do art. 190 demanda interpretação sistemática e valorativa, não devendo ser aplicada de forma açodada.

Em outro giro, entendemos que a expressão “situação de vulnerabilidade” vai além de uma vulnerabilidade meramente econômica, abarcando também a de cunho técnico, geográfico, social e até mesmo intelectual.25 Como afirmam Claudia Lima Marques e Bruno Miragem, a vulnerabilidade é uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza e enfraquece o sujeito, desequilibrando a relação.26

Cumpre ressaltar, ainda, que a vulnerabilidade pode ser prévia ao negócio jurídico (cenário antecedente de desequilíbrio) ou decorrente do mesmo.

No entanto, preconizou o legislador que a vulnerabilidade precisa ser “manifesta”, o que revela que o “desequilíbrio subjetivo capaz de justificar a decretação da invalidade do negócio jurídico há de ser claro, evidente, de tamanha desproporcionalidade a ponto de colidir gravemente com a exigência de equivalência.”27

Importante destacar que eventual vulnerabilidade não atinge, necessariamente e de forma abstrata, a validade de todas as convenções processuais celebradas por uma parte, tampouco obrigatoriamente contamina todos os ajustes da própria convenção.

Sob outro prisma, cuidado especial deve ter o juiz na hipótese de invalidação parcial da convenção processual,28 pois, partindo-se do pressuposto de que as regras foram negociadas pelas partes, com perspectiva de ganhos mútuos, invalidar apenas uma parte da convenção pode violar o consenso alcançado e ensejar manifesto desequilíbrio processual.29 Caberá, portanto, ao magistrado, à luz do caso concreto, aquilatar a validade da convenção processual, tendo em mente que a igualdade é importante limite para a aplicabilidade daquelas.30

Nesse diapasão, antes de invalidar parcialmente a convenção e, provavelmente, desnaturar o ajuste celebrado, mostra-se de bom alvitre que o juiz possibilite a manifestação das partes (dever de consulta – arts. 9º e 10) com o intuito de que esclareçam se persistirá o interesse no pacto. O mesmo raciocínio se aplica quando se tratar de vício aparentemente sanável.31

Com efeito, sempre que possível, o magistrado deve tentar preservar o núcleo da convenção processual, sinalizando eventuais limites ou revelando desde logo o que poderia ser convalidado, bem como zelar pela observância pelas próprias partes das convenções válidas, rechaçando comportamentos anticooperativos (como na hipótese de uma parte realizar convenção e, em seguida, requerer a aplicação da regra legal que seria afastada) até mesmo com a imposição de eventuais sanções para inibir condutas contrárias à boa-fé processual.32

Em resumo, a atuação do juiz é fundamental no controle das convenções processuais, não apenas para assegurar a higidez dos ajustes celebrados, mas também para garantir a observância da autonomia da vontade das partes, salvando e aproveitando, sempre que possível, as convenções realizadas e também evitando que estas criem desequilíbrios e ilegalidades.

 

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1 A doutrina define convenção processual como “o fato jurídico voluntário, em cujo suporte fático confere-se ao sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais.” DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. 2ª ed. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 59-60. Para Antonio do Passo Cabral, é “o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem necessidade de intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento.” CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 68.

2 DIDIER JR., Fredie. Os três modelos de direito processual civil: inquisitivo, dispositivo e cooperativo. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº. 198, ago./2011, p. 213-220. No mesmo sentido CADIET, Loïc (prefácio). In: CABRAL, Antonio do Passo. Convenções Processuais. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 12.

3 GRECO, Leonardo. Os atos de disposição processual – Primeiras reflexões. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Vol. I. Outubro a Dezembro de 2007, p. 28.

4 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; VIDAL, Ludmilla Camacho Duarte. Primeiras reflexões sobre os impactos do novo CPC e da Lei de Medição no Compromisso de Ajustamento de Conduta. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 256, jun./2016, p. 375.

5 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3ª. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010, p. 101.

6 Na Constituição de 1824, por exemplo, as partes já tinham o direito de nomear “Juízes Árbitros” (art. 160). No CPC de 1939, as partes podiam escolher o perito (o artigo 129 teve sua redação original alterada pelo Decreto-Lei nº 4.565/42 e posteriormente pelo Decreto-Lei nº 8.570/46). Também podiam “escolher” o juiz no caso de desquite por mútuo consentimento (art. 643). Segundo Antonio do Passo Cabral, “a norma pretendia evitar a exposição pública daqueles indivíduos numa época em que a sociedade rotulava como forte preconceito o desquite.” (CABRAL, Antonio do Passo. Juiz natural e eficiência processual: flexibilização, delegação e coordenação de competências no processo civil. Tese apresentada no concurso de provas e títulos para provimento do cargo de Professor Titular de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017, p. 674). Em relação ao CPC/73, várias convenções processuais eram previstas, como, por exemplo, foro de eleição (art. 111); suspensão convencional do processo (art. 265, II); regra de distribuição do ônus da prova (art. 333, parágrafo único); adiamento da audiência por convenção das partes; modificação do réu na nomeação à autoria (arts. 65 e 66); sucessão do alienante ou do cedente pelo adquirente ou cessionário da coisa litigiosa (art. 42, § 1º); desistência do recurso (art. 158 e 500, III); convenção sobre prazos dilatórios (art. 181); convenção de arbitragem e compromisso arbitral (art. 267, VII, 300, § 4º e 301, IX); reconhecimento da procedência do pedido (art. 269, II); transação judicial (269, III, 475-N, III e IV, e 794, II); renúncia da ação (art. 269, V); adiamento da audiência (art. 453, I); convenção sobre alegações finais orais de litisconsortes (art. 454, § 1º); liquidação por arbitramento em razão de convenção das partes (art. 475-C, I); escolha do juízo da execução (art. 475-P, § único); renúncia ao prazo estabelecido exclusivamente em favor do renunciante e ao direito de recorrer (arts. 186 e 502); requerimento de preferência no julgamento perante os tribunais (art. 565, § único); desistência da penhora pelo exequente (art. 667, III); opção do executado pelo pagamento parcelado (art. 745-A); acordo de pagamento amigável de insolvente (art. 783); escolha de depositário de bens sequestrados (art. 824, I); acordo de partilha (art. 1.031); etc.

7 Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

8 Em que pese o disposto no artigo 158 do CPC/73 (os atos das partes, consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade, produzem imediatamente a constituição, a modificação ou extinção de direitos processuais), a percepção é que a teleologia da referida norma não foi muito explorada, talvez pela concepção publicista do processo. Daí porque se afirma que, mesmo disciplinadas nos códigos de 1939 e 1973, as convenções processuais eram “vistas como uma monstruosidade: difíceis de definir, impossíveis de categorizar, complicadas de operar” (GODINHO, Robson Renault. A autonomia das partes no projeto de Código de Processo Civil: a atribuição convencional do ônus da prova. In: FREIRE, Alexandre et al (Orgs.). Novas tendências do processo civil. v. III. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 558-559). Tanto é assim que alguns autores não reconheciam a possibilidade de realização de negócios jurídicos no processo nessa época (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. 2. 6º ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 64), sobretudo sem o respectivo juízo homologatório.

9 MENKE, Fabiano. A interpretação das cláusulas gerais: a subsunção e a concreção dos conceitos. Revista da Ajuris, ano XXXIII, nº 103, set./2006, p. 74.

10 YARSHELL, Flávio Luiz. Convenção das partes em matéria processual: rumo a uma nova era? In: CABRAL, Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique Barbosa (Coords.). Negócios jurídicos processuais. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 64.

11 BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 316.

12 Art. 190. Parágrafo único.  De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

13 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções Processuais. Op. cit., p. 255 e seguintes.

14 Alguns contratos preveem formalidades específicas, como, por exemplo, a forma escrita no contrato de doação, salvo em se tratando de bens móveis e de pequeno valor (artigo 541, caput e parágrafo único, do CC); a escritura pública nos contratos constitutivos ou translativos de direitos reais imobiliários, cujo valor do bem seja superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País (art. 108 do CC). No caso das convenções processuais, em que prevalece a consensualidade e a autonomia da vontade, entendemos que a forma escrita só é exigida quando a lei assim determinar (por exemplo, compromisso arbitral – art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.307/96, e cláusula de eleição de foro – art. 63, § 1º, do CPC/15).

15 JÚNIOR, Antônio Pereira Gaio; GOMES, Júlio César dos Santos; FAIRBANKS, Alexandre de Serpa Pinto. Negócio jurídicos processuais e as bases para a sua consolidação no CPC/2015. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 267, maio/2017, p. 51.

16 ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. A contratualização do processo. São Paulo: LTr, 2015, p. 186.

17 NOGUEIRA, Pedro Henrique Barbosa. Negócios jurídicos-processuais: análise dos provimentos judiciais como atos negociais. Tese de Doutorado. Universidade Federal da Bahia, 2011, p. 144. Vide também MELLO, Marcos Bernardes de. Sobre o princípio da respeitabilidade das normas jurídicas cogentes e a invalidade dos negócios jurídicos. In: MARTINS-COSTA; Judith; FRADERA, Vera Jacob de (orgs.). Estudos de direito privado e processual civil: em homenagem a Clóvis do Couto e Silva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 93.

18 ATAÍDE JUNIOR, Jaldemiro Rodrigues. Negócios jurídicos materiais e processuais – Existência, validade e eficácia – Campo-invariável e Campos-dependentes: Sobre os limites nos negócios jurídicos processuais. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 244, jun./2015, p. 19. Para um exame verticalizado da ordem pública processual, vale conferir CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Ordem pública processual. Brasília: GZ, 2015.

19 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sério Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 244.

20 O que está em linha com o enunciado nº 6 do FPPC (arts. 5º, 6º e 190): O negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperaçãoNesse particular, concordamos com Julio Müller quando afirma que “a cooperação e a boa-fé que autorizam as partes a convencionar sobre situações processuais não pode servir de fundamento justamente para afastar estes próprios deveres.” Müller, Julio Guilherme. A produção desjudicializada da prova oral através de negócio processual: análise jurídica e económica. Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito, São Paulo, 2017, p. 115.

21 Assim, propõe um método em três etapas para análise da cláusula geral de negociação (art. 190 do CPC/15), que compreende a identificação i) das garantias processuais afetadas pela convenção; ii) dos parâmetros das convenções típicas e dos “índices dos tipos”; e iii) das garantias fundamentais mínimas.

22 Nas relações consumeristas, a cláusula deve estar redigida de modo claro e compreensível, grafada com caracteres bem legíveis, para que não se tenha dúvida quando ao aceite do consumidor. É o que dispõe o art. 46 do CDC: Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. Não se pode olvidar, ainda, que, de acordo com o art. 47 do CDC, as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

23 De acordo com a corte infraconstitucional, “é possível a cláusula arbitral em contrato de adesão de consumo quando não se verificar presente a sua imposição pelo fornecedor ou a vulnerabilidade do consumidor, bem como quando a iniciativa da instauração ocorrer pelo consumidor ou, no caso de iniciativa do fornecedor, venha a concordar ou ratificar expressamente com a instituição, afastada qualquer possibilidade de abuso.” (REsp nº 1189050/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 14.03.2016).

24 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 355.

25 Fernanda Tartuce fala em “vulnerabilidade processual”, que seria a suscetibilidade do litigante “que o impede de praticar atos processuais em razão de uma limitação pessoal involuntária; a impossibilidade de atuar pode decorrer de fatores de saúde e/ou ordem econômica, informacional, técnica ou organizacional de caráter permanente ou provisório”. (TARTUCE, Fernanda. Igualdade e Vulnerabilidade no Processo Civil. São Paulo: Método, 2012, p. 184). Nessa linha o enunciado nº 18 do FPPC: Há indício de vulnerabilidade quando a parte celebra acordo de procedimento sem assistência técnico-jurídica.

26 MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 120.

27 NOGUEIRA, Pedro Henrique. Negócios jurídicos processuais. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 236.

28 A lógica deve ser a mesma do artigo 8º da Lei de Arbitragem: A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória.

29 MAZZOLA, Marcelo. Tutela Jurisdicional Colaborativa: a cooperação como fundamento autônomo de impugnação. Curitiba: CRV, 2017, p. 203.

30 ABREU, Rafael Sirangelo de. A igualdade e os negócios jurídicos processuais. In: CABRAL, Antonio do Passo; DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique (Coords.). Negócios Processuais. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 205.

31 No mesmo sentido NERY, Carmen Lígia Barreto de Andrade Fernandes. O negócio jurídico processual como fenômeno da experiência jurídica – uma proposta de leitura constitucional adequada da autonomia privada em processo civil. Tese apresentada à Banca Examinadora como parte das exigências para obtenção do grau de Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017, p. 163.

32 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções Processuais. Op. cit., p. 240.

 

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Marcelo Mazzola

Socio, Advogado, Agente da Propriedade Industrial

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