Claudio Franca Loureiro
Socio, Advogado, Agente da Propriedade Industrial
Formado em Direito pela Pontificia Universidade Catolica de Sao Paulo, especializacao em...
saiba +por Claudio Franca Loureiro
01 de abril de 2010
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É fato que não há patenteamento de ser vivo no Brasil, em razão das normas do art. 18, inciso III, da Lei 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial), segundo as quais não são patenteáveis "o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos da patenteabilidade – novidade, atividade inventiva e aplicação industrial – previstos no artigo 8º e que não sejam mera descoberta."
À primeira vista vale indagar se uma planta, com determinado novo atributo oriundo de um processo patenteado, pode ser indiretamente protegida por patente de invenção? A resposta é sim, pode.
Nesse sentido, comentando esta questão Kelly Lissandra Bruch e Homero Dewes, no artigo "A função social como princípio limitador do direito de propriedade industrial de plantas", publicado na Revista da ABPI, ed. set./out. de 2006, dizem o seguinte:
No âmbito da propriedade industrial de plantas dois institutos devem ser analisados: as patentes de invenção e a proteção de cultivares. Opta-se por esta dupla análise, em que se reconheça a impossibilidade legal de proteção de plantas diretamente por patentes de invenção, pelo fato de indiretamente haver possibilidade de se proteger, mediante as referidas patentes, elementos que se refletem na proteção da própria planta.
No mesmo sentido sobre a possibilidade de proteção de planta proveniente de processo patenteado, Luis Guilherme de Andrade Vieira, em seu artigo “Patente e Biotecnologia: questões sobre a patenteabilidade dos seres vivos”, publicado na Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, em 1999, explicita:
Quanto aos processos, apenas os processos essencialmente não biológicos de obtenção de novas plantas, tais como o biotecnológico ou microbiológico, podem ser patenteados. Os processos essencialmente biológicos não preenchem o requisito da atividade inventiva. Assim, no Brasil, qualquer pessoa poderá explorar comercialmente um novo produto vegetal desde que não tenha sido obtido por um processo patenteado por outrem (art. 42, II, da Lei 9.279/96).
V- Conclusão
(…)
Da mesma forma, embora excluídas da patenteabilidade as invenções relacionadas à obtenção de novos vegetais (protegidos por um sistema próprio) ou raças animais, podem ser objeto de patente os processos não-biólogicos que conduzam a tais obtenções, satisfeitos os requisitos da novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.
(…)
Considerando que, no domínio da engenharia genética, as pesquisas exigem uma soma considerável de investimentos e um alto risco, esta proteção jurídica mais adequada possibilitará, sem dúvida, o desenvolvimento científico e tecnológico, resultante de uma maior colaboração internacional no domínio da biotecnologia, seja através de investimentos, seja através de transferência de tecnologia. Espera-se, agora, que a prática administrativa e a jurisprudência concretizem a proteção a estas invenções, não somente como forma de recompensar o inventor com a outorga de um direito exclusivo de uso, como também para encorajar a atividade inventiva em benefício de toda a população.
Logo, pela regra do artigo 42, inciso II, da Lei 9.279/96, tem-se que um titular de patente de invenção, cuja proteção cobre um novo atributo de uma planta, tal como um gene com nova função, tem o direito de explorar com exclusividade essa planta no Brasil ou vedar que terceiros a utilizem comercialmente, sem sua autorização.
E como fica a questão da proteção de uma planta, com determinado atributo protegido por patente e objeto de Certificado de Proteção de Cultivar? Haveria a possibilidade de dupla proteção de uma mesma planta, com determinado novo atributo oriundo de um processo patenteado pelos institutos da patente de invenção e da proteção de cultivares? A resposta é sim.
A Lei de Cultivares (Lei nº 9.456/97) visa a reger a proteção para plantas e parte de plantas capazes de autorreprodução vegetativa, assegurando proteção aos esforços de melhoristas no desenvolvimento por seleção de variedades vegetais. A proteção é conferida pelo registro do cultivar junto ao Serviço Nacional de Proteção de Cultivares do Ministério da Agricultura. O registro de cultivar assegura, assim, direito sobre variedades vegetais novas obtidas a partir de processo de seleção e melhora. Essa lei regula tais direitos e cria direitos próprios com regras e exceções específicas.
Entre as exceções específicas da Lei nº 9.456/97, está o artigo 10, inciso II que estabelece que não caracteriza violação do direito de propriedade o uso ou venda "como alimento ou matéria-prima o produto do seu plantio, exceto para fins reprodutivos".
A proteção aos cultivares objeto de Certificado não abrange o produto resultante, isto é, a comercialização da safra para fins de alimento. Ou seja, o titular do cultivar objeto de certificado tem um limite ao seu direito contido na exceção referida no artigo 10, inciso II.
A Lei de Propriedade Industrial (Lei no. 9.279/96), por outro lado, contempla a possibilidade de proteção exclusiva sobre as invenções que preencham, entre outros, os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.
Como no caso da Lei de Cultivares, a Lei de Propriedade Industrial também contempla direitos próprios com regras e exceções específicas. Entre as exceções ao direito de patente, estabelece a Lei de Propriedade Industrial o rol taxativo do artigo 43, no qual os direitos oriundos de determinada patente não são oponíveis às exceções contidas no Artigo. Da mesma forma, o titular do cultivar objeto de certificado tem que respeitar a exceção do artigo 10, inciso II, da Lei de Cultivares.
As exceções existem para confirmar a regra e, por questão de hermenêutica jurídica, elas devem ser interpretadas restritivamente sob pena de prejudicar o direito tutelado. Assim sendo, a exceção do artigo 10, inciso II, da Lei de Cultivares é direcionada tão somente ao titular do cultivar objeto de certificado, mas não alcança o titular da patente, cujo bem tutelado é diferente, com relação jurídica específica.
Agora, estaria o legislador ordinário incorrendo em paradoxo ao permitir a coexistência da proteção de cultivares com a proteção conferida pela Lei de Propriedade Industrial, sob pena do legislador ter dado com uma mão e tirado com a outra? A resposta é não.
Nesse sentido, vale conferir as lições salutares do Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Dr. Paulo Brossard de Souza Pinto que em parecer, publicado na revista Forense, ed. jan./fev. de 2005, enfrenta a questão da dupla proteção entre a de cultivares e a conferida pela Lei de Patentes:
1. É possível a coexistência da proteção de cultivares com a proteção conferida pela Lei de Patentes para um gene patenteado, ou, quando se tratar da variação vegetal a única norma aplicável é a Lei de Cultivares?
1.1. Sim. Entendo possível a coexistência da proteção, tendo em vista que dois são os bens, duas as relações jurídicas que os envolvem e duas as leis que os disciplinam.
1.2. Cada um dos distintos bens mencionados, gene e cultivar, segundo a lei respectiva, de nº 9279, de 1996, e de nº 9456, de 1997, nos termos da Patente de Proteção num caso e do Certificado de Proteção de Cultivares, em outro, uma expedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, outro pelo Serviço Nacional de Proteção de Cultivares, do Ministério da Agricultura, na medida em que, integrantes do patrimônio da consulente compõem sua propriedade, assegurada pelas leis e pela Constituição.
1.3. A meu juízo, quando da Lei 9465, em seu art. 2º, alude ao Certificado de Proteção de Cultivar como bem móvel e única forma de proteção e de direito que poderá obstar a livre utilização de plantas ou de suas partes de reprodução ou de multiplicação vegetativa no País, limita-se a regular a forma de aquisição deste tipo de propriedade intelectual e, em conseqüência, sua proteção; sem as formalidades para expedição de certificado, minuciosamente prescritas, seria incerta e insegura tanto a propriedade em causa, como sua proteção.
Corroborando o exposto, não há óbice no Brasil a dupla ou tripla proteção para um mesmo objeto. A título exemplificativo, lembramos o telefone celular. Nada obsta que um determinado telefone celular tenha no Brasil as seguintes proteções: circuitos internos protegidos por patentes, página de fundo (wallpaper) protegido por direito autoral, design protegido por desenho industrial e sem falar na possibilidade da proteção advinda da marca tridimensional.
Dessa forma, o consumidor, no exemplo acima, ao adquirir o telefone celular paga o preço já embutido com todas as licenças dos direitos de propriedade intelectual de terceiros.
Quaisquer dos titulares dos direitos de propriedade intelectual acima mencionados têm o direito de obstar em Juízo a comercialização do telefone celular caso não lhes tenham sido solicitado prévia licença de uso, mediante o pagamento de royalties. E mais, os titulares dos direitos de propriedade intelectual também podem ir a Juízo contra o usuário do telefone celular, caso ele faça cópias desautorizadas de quaisquer dos direitos acima tutelados, como por exemplo, a reprodução indevida da página de fundo (wallpaper).
A mesma analogia se aplica para uma nova planta, protegida por cultivar, mas com determinado novo atributo protegido por patente de invenção. Se o inventor do novo atributo da planta não for o titular do cultivar, ambos terão direito de cobrar royalties pelo uso comercial desta planta ou impedir que terceiros a utilizem, sem prévia autorização tanto do titular da proteção da cultivar como o titular da patente de invenção.