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A importância dos ativos de Propriedade Intelectual em um mundo em acelerada transformação

por Ana Lucia de Sousa Borda

03 de agosto de 2021

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Se já era claro até mesmo para não especialistas na área que a propriedade intelectual vinha adquirindo crescente destaque nos mais diversos setores da sociedade, isso se tornou ainda mais flagrante em meio as consequências das mais recentes transformações que estão afetando a vida de todos em escala global.

A propriedade intelectual protege uma ampla variedade de ativos intangíveis, desde aqueles que contêm a solução de um problema técnico, sendo o mais recente e emblemático deles o desenvolvimento de vacinas e testes em uma verdadeira corrida contra o tempo, passando por criações do espírito, sinais distintivos para a designação dos mais diferentes produtos e serviços, e produtos com características diferenciadas e muitas vezes até mesmo únicas, em decorrência do meio geográfico onde são produzidos.

Estes últimos ativos serão o foco deste artigo. As indicações geográficas estão protegidas de longa data no Brasil por força de tratados internacionais e, ainda, em consonância com sua legislação interna, de forma a melhor recepcionar ativos que refletem a nossa identidade, que é multifacetada em razão de diferentes aspectos regionais, climáticos, sociais e culturais.

Em âmbito interno, a Lei da Propriedade Industrial (LPI – Lei no. 9.279/96), juntamente com a Instrução Normativa no. 95, de 28 de dezembro de 2018 do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), assim como outras disposições contidas no Portal do Instituto, tratam do registro das Indicações Geográficas e constituem marcos legais de grande relevância na matéria. Como resultado disso, foram reconhecidas até o momento 84 indicações geográficas brasileiras. Mais recentemente, o Instituto adotou o Manual de Indicações Geográficas, ampliando assim o diálogo com os usuários.

Em mais uma iniciativa, o INPI recentemente disponibilizou em seu site uma nova página, onde poderão ser acessadas fichas técnicas com informações das indicações geográficas brasileiras. Tais fichas contêm um resumo das principais informações de cada indicação geográfica reconhecida. Dentre as informações agora disponíveis para acesso, estão o Caderno de Especificações Técnicas, que é o documento que norteia a indicação geográfica. Redigido pela coletividade dos produtores, o Caderno de Especificações deverá refletir, realisticamente, as características da indicação geográfica sem, no entanto, estabelecer parâmetros rígidos demais, a ponto de torná-la de difícil implementação pelo conjunto de produtores.

As fichas técnicas estão agrupadas por região e em ordem alfabética, permitindo uma navegação extremamente fácil, com as informações relevantes sobre a indicação geográfica agrupadas de forma objetiva, dentre elas a estrutura de controle, as especificações e características do produto, a área geográfica, sua localização e, ainda, um breve histórico relatando o surgimento do produto e como ele se tornou conhecido, no caso da indicação de procedência. Já no que concerne as denominações de origem, a relação entre as características do produto com a área geográfica, com determinação dos fatores naturais (clima, tipo de solo, etc.) e humanos (o manejo tradicional passado de geração para geração, as técnicas desenvolvidas ao longo do tempo) precisam estar demonstradas.

Surgiu, assim, uma importante fonte de consulta não apenas para estudiosos da matéria, mas também para aqueles produtores que estão em processo de elaboração de suas indicações geográficas. Ela poderá igualmente ser útil para aqueles que estão considerando a alteração de suas indicações geográficas, o que passou a ser permitido a partir da entrada em vigor do Manual de Indicações Geográficas. Com isso, há um compartilhamento de experiências e conhecimento de forma a permitir um ganho em benefício de todos os envolvidos. Claro que tudo isso tem o potencial de aumentar a visibilidade das indicações geográficas enquanto ferramenta para o desenvolvimento de um ativo intangível para uma enorme variedade de cadeias produtivas.

A título de exemplo, foi consultada a ficha técnica da denominação de origem “Terra Indígena Andirá-Maraú”, relacionada a Waraná (guaraná nativo) e pães de waraná (bastão de guaraná). A descrição da relação do produto com a área geográfica não deixa dúvidas quanto à especificidade do guaraná cultivado naquela região. Começando pelos solos de origem antrópica, oriundos de assentamentos indígenas e que sofreram influências resultantes do manejo de carvão, cinzas, ossos de animais e outros restos de cozinhas e casas. Tais solos propiciam um melhor crescimento, produtividade e qualidade do guaraná e são combinados a mudas obtidas das “mães do guaraná”, que crescem nas terras altas de Andirá-Maraú. O teor de cafeína das sementes do guaraná é decorrência direta dos solos antrópicos. A alta umidade ambiental é de fundamental importância para a sobrevivência das abelhas canudo, que por seu turno são o agente polinizador dos guaranazais nativos. Além de serem excelentes produtoras de mel, as abelhas canudo ainda atuam como um marcador ambiental, ao apontar condições microclimáticas mais úmidas, que influenciam no processo de defumação dos pães de waraná.  Em resumo, os produtos oriundos dessa denominação de origem possuem um inegável diferencial, em que os necessários e, neste caso, exóticos fatores naturais e humanos estão em perfeita sintonia.

Portanto, para além de ser uma ferramenta de desenvolvimento, as indicações geográficas podem representar a valorização de culturas e técnicas ancestrais, que de outra forma poderiam se perder no tempo.

Graças as fichas técnicas, todo esse manancial de informações está agora facilmente disponível para consulta em mais uma forma de valorização e divulgação das indicações geográficas como um ativo de propriedade intelectual.

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Ana Lucia de Sousa Borda

Socia, Advogada, Agente da Propriedade Industrial

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