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Marco Civil da Internet: aprovação e oportunidade perdida

por Renato Venturini Matrangolo

07 de julho de 2014

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Após anos de consultas e discussões, e de um processo legislativo marcado por grande influência política, a Lei do Marco Civil da Internet foi publicada no Diário Oficial em abril e finalmente entrou em vigor no último dia 23 de junho.

A Lei nº 12.965/14 traz regras e princípios para disciplinar o segmento de internet no País, com o objetivo de criar maior segurança jurídica nas relações dos seus principais partícipes: usuários e provedores.

Merecem destaque positivo no texto aprovado a imposição de limites à coleta de dados de usuários pelos provedores e as atividades de fomento e de transparência, incluídas na Lei como diretrizes para atuação do Poder Público na internet.

O Marco Civil, porém, não está isento de falhas e tampouco resolve todos os problemas do setor. Ao contrário, alguns pontos polêmicos do projeto ainda são alvo de críticas daqueles que enxergam na recente aprovação uma oportunidade desperdiçada de serem sanadas todas as questões sobre o tema.

Dentre eles, o ponto que mais gera polêmica no texto recém-aprovado é o mecanismo de responsabilização e retirada de conteúdo de terceiros da rede. A questão diz respeito aos casos em que usuários publicam conteúdos que violem direitos de terceiros em páginas de provedores, como YouTube, Facebook e afins.

Ao regular o tema, até então inédito na legislação nacional, o Marco Civil adotou a posição defendida pelos provedores, segundo o qual só há obrigatoriedade na retirada do conteúdo mediante ordem judicial, salvo quando o material contém “cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado”, situação em que uma notificação fundamentada do ofendido será suficiente. Consequentemente, a responsabilidade do provedor por conteúdo de terceiros só será cabível quando tal ordem judicial não for devidamente atendida.

A posição adotada pela Lei vai na contramão do entendimento já solidificado na jurisprudência nacional, segundo o qual o provedor deve retirar o conteúdo ilegal assim que notificado, sob pena de ser responsabilizado pelos danos ocasionados pela divulgação ocorrida em sua ferramenta. Em outras palavras, o provedor assume o risco de arcar com os prejuízos da divulgação do conteúdo em sua página, caso opte por não retirá-lo do ar mediante notificação.

Assim, ainda que tenha trazido regulação para o assunto, o Marco Civil peca ao deixar de distinguir as diferentes espécies de violação de direitos cometidas na rede, trazendo a mesma solução para hipóteses distintas. Os direitos de autor, por exemplo, foram expressamente deixados de fora da nova Lei, dependendo de “previsão legal específica”, enquanto os direitos de propriedade industrial não foram sequer abordados.

Outros casos de nítida violação, como a criação de perfis falsos em redes sociais ou a propagação de conteúdo manifestamente ofensivo também foram deixados de lado.

Na prática, o Marco Civil legitima os provedores a não retirarem nenhum conteúdo da rede sem uma ordem judicial, já que não poderão ser responsabilizados, salvo quando se tratar de conteúdo sexual. Tal cenário é alarmante, pois mesmo em casos de inequívoca violação, os titulares de direitos atingidos deverão buscar o procedimento judicial, sabidamente custoso e lento.

Como resultado, em breve devemos nos deparar com uma enxurrada de ações judiciais envolvendo o tema, gerando custos para os titulares de direitos violados, para as empresas e para o próprio Judiciário, além de uma prestação jurisdicional menos ágil. Infelizmente, as soluções de tais casos serão mais burocráticas e demoradas.

Na grande maioria dos casos, um procedimento simples ou uma notificação extrajudicial poderiam, de forma definitiva, resolver a questão da remoção de conteúdo manifestamente ilegal, desde que os requisitos e parâmetros para tal hipótese fossem incluídos na nova Lei.

Assim, embora se reconheça o avanço que representa, o Marco Civil perdeu a oportunidade de solucionar questões relevantes do setor e evitar que condutas infratoras continuem sendo propagadas na rede.

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Renato Venturini Matrangolo

Advogado

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