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Processo e Novas Tecnologias: utilização de QR Code em petições judiciais, atuação de robôs e as contribuições da inteligência artificial para o sistema de precedentes

por Marcelo Mazzola

06 de março de 2020

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Sumário: Introdução. 1. Uso de Qr Code em petições judiciais. 2. Utilização de robôs na esfera jurisdicional. 3. Contribuição da inteligência artificial para o desenvolvimento do “sistema” de precedentes. 4. Conclusão. 5. Referências bibliográficas.

 

INTRODUÇÃO

Com o avanço da tecnologia, o mundo é cada vez mais dinâmico. Limites territoriais foram rompidos e as relações se transformaram, impactando diversos aspectos da vida humana.

O analógico virou digital, o físico não resistiu ao eletrônico e as assinaturas são feitas com um “click”. Vivemos a era da modernidade líquida[1].

Nessa escalada tecnológica, a internet contribuiu decisivamente para o desenvolvimento de novas ferramentas, permitindo uma maior integração entre as necessidades e as exigências da atualidade.[2] Aliás, foi-se o tempo em que só era possível despachar pessoalmente com magistrados[3].

Especificamente no plano judicial, a Lei nº 11.419/06 (lei do processo eletrônico) pavimentou as bases para novas ferramentas, permitindo a realização de atos processuais mais compatíveis com a realidade.

Nessa esteira, o CPC/15 autoriza, por exemplo, a prática de atos processuais eletrônicos (arts. 193 a 199), inclusive por meio de videoconferência (art. 236, parágrafo 3º), como sustentações orais (art. 937, parágrafo 4º), depoimentos (art. 385, parágrafo 3º).

De fato, as novas tecnologias e a inteligência artificial estão revolucionando a atividade jurisdicional.

Plataformas online de resolução de disputas[4], softwares jurídicos para predição de resultados (jurimetria), a utilização de robôs[5], decisões por algoritmo[6], plenário virtual[7], enfim, são muitas questões instigantes[8] que desafiam os operadores do direito.

Neste artigo, vamos fazer um recorte para analisar três temas específicos: a utilização de QR Code em petições judiciais, os novos robôs em atuação na esfera jurisdicional e a contribuição da inteligência artificial no desenvolvimento do “sistema” de precedentes delineado pelo CPC/15.

 

  1. Uso do QR CODE em petições judiciais

Como se sabe, QR Code é a abreviação de quick response code (código de resposta rápida). Trata-se de um código de barras bidimensional[9] que pode ser escaneado por alguns aparelhos celulares equipados com câmera[10], com capacidade de codificar atalhos para endereços eletrônicos (URL e e-mails, textos, PDF, arquivos de imagens e vídeos em geral etc.).

Como explicam Antônio Carvalho Filho, Luciana Benassi Gomes Carvalho e Ana Beatriz Ferreira Rebello Pesgrave, “o QR code não é a tecnologia de inovação em si, mas apenas o caminho, o atalho, para acesso a determinadas informações paratextuais em ambiente extra-autos”[11].

Nesse sentido, cabe a pergunta: é possível a sua utilização na esfera judicial?

A rigor, não vislumbramos qualquer vedação. Vale lembrar que o artigo 188 do CPC/15 estabelece que “os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial[12].

Por sua vez, o artigo 369 do diploma processual prevê que “as partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz”.

Nesse particular, muitos advogados vêm utilizando a ferramenta[13] e alguns juízes já proferiram decisões prestigiando o QR Code, como se pode verificar, por exemplo, do seguinte despacho[14]:

Colacionou, ainda, interessante ferramenta para demonstrar sua alegação, consistente em um vídeo que pode ser acessado pelo link https://goo.gl/9iGZoT ou com QR Code, no qual tenta fazer ligação para o número (84 XXXXX 4170) e se ouve a gravação com a informação de que ‘este número que você ligou não recebe chamada ou não existe’.

De um lado, é inegável a utilidade e a potencialidade da ferramenta[15], mas, por outro, a novidade disruptiva também traz a reboque muitas preocupações. O tema ainda não foi regulamentado pelos tribunais ou pelo Conselho Nacional de Justiça.

Em relação às vantagens, são muitas. Sem a menor pretensão de exaurir os exemplos, citaremos algumas situações abaixo:

  • QR Code como elemento de persuasão. Basta pensar, por exemplo, na possibilidade de o juiz, no momento de apreciação de uma tutela provisória, examinar um vídeo ilustrativo ou slides — diretamente no celular — com explicações técnicas sobre o bem em discussão, inclusive em realidade aumentada (isso é muito interessante em ações envolvendo direitos de propriedade industrial, cujos temas são complexos. Muitas vezes a mera inserção de hiperlinks não assegura o mesmo resultado);
  • desnecessidade de acautelamento de mídias em cartório. Como o sistema do processo eletrônico não permite o upload de arquivos com material audiovisual, as partes, na prática, são obrigadas a acautelar o material em cartório. E isso quase sempre dificulta ou burocratiza a análise da prova pelo juiz;
  • possibilidade de despachos virtuais. O advogado pode, por exemplo, inserir um QR Code nos memoriais distribuídos em segundo grau, permitindo que o relator ou os vogais, diante da indisponibilidade ou ausência ocasional, possam “escutar”, ainda que virtualmente, as ponderações do causídico. Uma espécie de “sustentação virtual”. A mesma sistemática vale para audiências pessoais em primeiro grau (artigo 7º, VIII, da Lei 8.906/94), sobretudo quando se postula tutela provisória na petição inicial. Neste último caso, pode haver até um reforço do contraditório, pois a parte contrária terá, na prática, acesso ao “conteúdo destacado no áudio/vídeo”, o que não é possível nos atendimentos individuais em gabinete;
  • otimização do tempo do juiz. Em vez de realizar uma inspeção pessoal, comparecendo ao local (artigo 381 do CPC), o magistrado pode eventualmente designar um oficial de Justiça para registrar determinada situação. Com a inserção do material objeto da inspeção em um QR Code, poder-se-ia atingir a “finalidade essencial” do ato (artigo 188 do CPC), evitando o deslocamento do juiz; e
  • praticidade e redução de custos. Com o QR Code, é possível, por exemplo, que uma pessoa grave o próprio depoimento, sem a necessidade de redigir um documento ou se dirigir a algum cartório local para fazer eventual declaração.

Todavia, também é preciso refletir sobre os riscos da tecnologia. De plano, podemos listar três situações:

  • preocupação com a autenticidade, integridade e temporalidade[16], já que, tecnicamente, o conteúdo acessado não está armazenado nos autos do processo (nem fisicamente nem em mídia digital), tratando-se, na verdade, de elemento “externo”;
  • ausência de controle efetivo sobre o conteúdo objeto do QR Code. Ainda que existam mecanismos para checar eventual adulteração (como, por exemplo, controle de data e horário da criação), isso pode gerar insegurança jurídica. Enquanto os códigos estáticos são mais difíceis de serem manipulados, os códigos dinâmicos permitem a alteração do conteúdo a qualquer tempo. Ou seja, existe, ao menos em tese, o risco de as partes e o juiz verem coisas totalmente diferentes em momentos distintos. Pode ocorrer, ainda, de o conteúdo ser suprimido do local em que estava hospedado (por exemplo, um vídeo que estava no YouTube ser deletado); e
  • falta ou déficit de isonomia entre os litigantes. Não se pode obrigar os advogados e as partes a adquirirem celulares modernos capazes de fazer a leitura do QR Code. Ainda que boa parte da população disponha de celulares, nem sempre os aparelhos possuem a tecnologia e as ferramentas necessárias. A questão se agrava quando o QR Code envolve uma prova[17] e não há como assegurar que ambas as partes terão acesso a ela, o que fere o contraditório e a paridade de armas (artigo 7º do CPC). Nesse particular, é importante que a OAB acompanhe a evolução do assunto, fornecendo aos advogados toda a estrutura necessária para a fruição da tecnologia (assim como aconteceu quando da implantação do processo eletrônico, em que o órgão disponibilizou salas e instrutores para atender os causídicos).

Entre vantagens e desvantagens, questiona-se: estão os juízes obrigados a visualizar o conteúdo do QR Code?

Pela sistemática atual e diante da ausência de regulação, a resposta parece ser negativa. Os magistrados podem e devem prestigiar a tecnologia, mas não estão obrigados.

Primeiro, porque as partes, a rigor, não podem transferir externalidades para o Judiciário (custos com a aquisição de aparelhos modernos, onerando-se o aparato judicial).

Segundo, porque, especialmente em matéria probatória, ainda há grande insegurança quanto à integridade e autenticidade do conteúdo, o que pode gerar nulidades no futuro.

Talvez uma medida interessante seja a assinatura de protocolos institucionais entre OAB, Defensoria Pública, Ministério Público e o próprio Judiciário, com a previsão de se registrar em blockchain os conteúdos vinculados ao QR Code no momento de sua apresentação aos autos.

E terceiro, porque cabe ao juiz garantir a isonomia e a paridade de armas (artigo 139, I, do CPC), o que, sem uma regulação específica e a cooperação dos operadores do Direito, ainda não é possível assegurar.

Nesse cenário ainda movediço, uma regulação seria muito bem-vinda para sistematizar o uso da tecnologia, indicando, por exemplo, a) se a parte deve indicar minimamente o conteúdo do QR Code na petição; b) se o juiz deve sempre intimar a parte contrária para se manifestar sobre o QR Code ou apenas em algumas situações específicas; c) se o Judiciário também pode usar a ferramenta, como, por exemplo, em mandados de citação/intimação; d) se o juiz pode utilizar seu aparelho pessoal ou somente o celular vinculado ao cartório; e) se o advogado pode ser punido pelo uso desvirtuado da tecnologia, entre outros.

 

  1. Utilização de robôs na esfera jurisdicional

Como já destacado, o mundo vem se transformando rapidamente. As novas tecnologias não são mais o futuro. São o presente. E uma dessas ferramentas mais impactantes é a inteligência artificial.

Como explica Jordi Nieva Fenoll[18], embora não haja um consenso sobre a definição de inteligência artificial, esta pressupõe a atuação da máquina imitando o pensamento humano, especialmente na tomada de decisões.

Assim, a máquina é capaz de processar a linguagem, compreender o que se expressa e repetir as premissas de uma decisão humana. Essa operação “lógica” é viabilizada pelos chamados algoritmos, que são uma combinação, uma sequência de instruções memorizadas pela máquina em decorrência das próprias escolhas humanas.

Não vamos analisar aqui questões relacionadas ao machine learning, às redes plurais, aos vieses cognitivos, entre outros, que podem eventualmente distorcer a aplicação do algoritmo. A ideia é apenas abordar a interface entre a inteligência artificial e a utilização de robôs na seara jurisdicional.

Antes de avançar, vale lembrar que a utilização da inteligência artificial se conecta aos princípios da eficiência (arts. 37 da CF e 8º do CPC/15) e da duração razoável do processo (arts. 5º, LXXVIII, da CF e 4º, 6º e 139, II, do CPC/15), sendo certo que o novo diploma processual delegou ao Conselho Nacional de Justiça a regulamentação dos avanços tecnológicos (art. 196 do CPC/15[19]).

Recentemente, a Portaria nº 25/2019 do CNJ instituiu o Laboratório de Inovação para o Processo Judicial em meio Eletrônico[20]. A ideia é criar uma rede de cooperação na construção de um ecossistema de serviços de inteligência artificial, a fim de otimizar o trabalho e maximizar os resultados.

Nesse compasso, e sobretudo com a ajuda da inteligência artificial, alguns tribunais já começaram a desenvolver ferramentas para dar maior rendimento à prestação jurisdicional.

Atualmente, existem dezenas de robôs em operação, que realizam diferentes intervenções em várias áreas, automatizando parte do trabalho até então desenvolvido manualmente pelos homens. Em alguns órgãos públicos a situação também não é diferente.

Listaremos abaixo alguns desses robôs sintetizando as suas principais funções:

1. Victor no Supremo Tribunal Federal.[21] O nome é uma homenagem ao ex-Ministro Victor Nunes Leal, que atuou de 1960 a 1969 no STF, tendo sido o primeiro magistrado da Corte a tentar sistematizar as decisões do tribunal. Em linhas gerais, o robô se utiliza do mecanismo de aprendizado de máquina (machine learning) para realizar atividades de conversão de imagens em textos no processo digital; separação de documentos, classificação das peças processuais e identificação dos temas de repercussão geral de maior incidência.

2. Sócrates no Superior Tribunal de Justiça. O robô ainda está em fase de testes. A ideia é permitir que seja realizado o exame automatizado do recurso e do acórdão recorrido, disponibilizando informações relevantes, como, por exemplo, se o tema se encaixa em alguma categoria de demandas repetitivas.

3. Bem-te-vi no Tribunal Superior do Trabalho. Atualmente, o robô analisa a tempestividade dos recursos e promove a coleta de dados estatísticos (por exemplo, o número de processos relacionados ao tema, o tempo de efetiva distribuição, entre outros). Em uma segunda fase, a ferramenta deve disponibilizar alertas acerca de eventuais impedimentos dos ministros[22].

4. Poti, Clara e Jerimum no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. O primeiro já está em funcionamento e permite a automação da penhora online, promovendo o bloqueio de valores e a respectiva transferência para uma conta judicial vinculada ao processo. Por sua vez, o robô Jerimum classifica e rotula processos, enquanto Clara faz a leitura de documentos e recomenda decisões

5. Ágil e Radar no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. O primeiro monitora as distribuições de ações judiciais em todo o Estado, com o objetivo de identificar as demandas repetitivas, enquanto o segundo tem a capacidade de ler e identificar pedidos, sugerir um padrão de votos, entre outros.

6. Sinapes no Tribunal de Justiça de Rondônia. A ferramenta permite que o julgador tenha acesso às decisões anteriores sobre processos com a mesma temática.

7. Elis no Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. A ferramenta se volta às execuções fiscais e permite que o robô confira os dados da Certidão de dívida ativa, verifique a existência de prescrição e a cheque a regularidade da competência.

8. Alice, Sofia e Monica no Tribunal de Contas da União. Alice é um acrônimo para Análise de Licitações e Editais, direcionado à leitura de editais de licitações e atas de registro de preços publicados pela Administração Federal, bem como por alguns órgãos públicos estaduais e estatais, visando buscar eventuais indícios de desvios. Já Sofia é preparada para algum “furo” na análise do auditor, enquanto Monica é um painel que exibe todas as compras públicas, como contratações diretas e aquelas feitas por meio de inexigibilidade de licitação (quando um serviço ou produto possui apenas um fornecedor). Recentemente, o TCU criou o assistente pessoal Zello[23], que interage com o cidadão por meio de mensagens de texto, prestando informações sobre a atuação do Tribunal de forma prática, rápida e simples[24].

Poderíamos citar vários outros, como, por exemplo, o robô Lia (Lógica de Inteligência Artificial), idealizado pelo Conselho da Justiça Federal, que foi criado para responder dúvidas dos usuários no portal da entidade, ou mesmo a Dra. Luzia, da Procuradoria-Geral do Distrito Federal, que é a primeira robô-advogada do Brasil, capaz de analisar o andamento de processos de execução fiscal, sugerindo possíveis soluções e indicando informações dos envolvidos (como possíveis endereços ou bens).

No campo probatório, vale mencionar a existência de robôs que auxiliam na reconstrução de fatos e preparam prognósticos, como, por exemplo, Stevie (programa que constrói histórias coerentes partindo dos dados existentes) e Alibi (diante de um determinado delito, ele prepara um prognostico das diferentes explicações que possa ter o comportamento do réu).[25]

 

  1. Contribuição da inteligência artificial para o desenvolvimento do “sistema” de precedentes

Sob outro enfoque, vislumbramos algumas possíveis contribuições da inteligência artificial no “sistema” de precedentes delineado pelo CPC/15. A primeira delas é a possibilidade de fornecimento de estatísticas seguras para compreensão do conceito de “jurisprudência dominante”.

Como se sabe, em pelo menos três passagens, o CPC/15 faz referência à “jurisprudência dominante, estabelecendo a) que os enunciados de súmulas editados pelos tribunais devem corresponder à sua jurisprudência dominante; b) que, na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do STF e dos tribunais superiores ou de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração para preservar a segurança jurídica; e c) haverá repercussão geral sempre que o recurso extraordinário impugnar acordão que  contrarie súmula ou jurisprudência dominante do STF (arts. 926, § 1º, 927, § 3º e 1.035, § 3º, I).

Vale lembrar ainda que, à luz do Regimento Interno do STJ, o relator pode negar ou dar provimento monocrático a recursos, decidir mandado de segurança, habeas de segurança e conflito de competência, se a decisão impugnada for contrária à jurisprudência dominante acerca do tema (vide, por exemplo, art. 34 do Regimento Interno do STJ).

Na mesma linha, o Regimento Interno do STF permite ao relator negar seguimento a pedido ou recurso contrário à jurisprudência dominante do tribunal (art. 21, § 1º), bem como liberar para julgamento, em ambiente presencial ou eletrônicos, recursos extraordinários, agravos e demais classes processuais cuja matéria discutida tenha jurisprudência dominante no âmbito do tribunal (art. 21-B, IV e V).

Portanto, saber se há realmente uma jurisprudência dominante é fundamental para permitir o julgamento monocrático dos feitos nas cortes superiores (não há mais espaço para alegações genéricas calcadas em conceitos jurídicos indeterminados – art. 489, II, do CPC/15), bem como para a edição de enunciados de súmulas e/ou modulação dos efeitos das decisões.

Nada obstante, as novas tecnologias podem ajudar na identificação das questões repetitivas em ações envolvendo os repeat players, facilitando o mapeamento dos temas que podem ser objeto de Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas e recursos repetitivos. Com o resultado consolidado, os núcleos de inteligência dos tribunais podem subsidiar os julgadores (arts. 69, III e 139, X, do CPC/15), bem como compartilhar as informações com os legitimados extraordinários (MP, Defensoria, etc.), para que estes órgãos tomem as medidas pertinentes.

Como último registro, enxergamos a possibilidade de contribuição da inteligência artificial em situações de dissídio ou divergência jurisprudencial (por exemplo, i) para cotejo e identificação “das circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados” – art. 1.029, § 1º, do CPC –, no recurso especial interposto com base na alínea “c” do permissivo constitucional; ii) para análise do cabimento do Incidente de Assunção de Competência – art. 947, § 4º do CPC; e iii) para exame do cabimento dos embargos de divergência – art. 1.043 do CPC).[26]

Registre-se, por fim, que, apesar dos inegáveis avanços, os desafios ainda são muitos, pois se não sabe ao certo como as máquinas são (e serão) alimentadas, se os algoritmos serão revelados ao público, se haverá algum tipo de participação dos operadores do direito na construção de tais ordens sequenciais e, principalmente, se os robôs conviverão em harmonia entre si e com os homens. São questões relevantes que serão sedimentadas com o tempo.

 

  1. Conclusão

A tecnologia transforma a dinâmica da vida e impacta as relações sociais. Como em qualquer mudança paradigmática, os avanços despertam dúvidas, mas devemos seguir em frente, pois não se pode olhar o novo com lentes retrospectivas.

Dentro desse enfoque, analisamos neste trabalho a potencialidade do uso de QR Code em petições judiciais, indicando as vantagens e desvantagens. Também apontamos alguns desafios pertinentes à temática.

Nada obstante, examinamos os diferentes robôs já utilizados na esfera jurisdicional, indicando suas funções e as contribuições para uma melhor prestação jurisdicional, externando algumas inquietudes inerentes ao processo construtivo dos algoritmos.

Ademais, destacamos como a inteligência artificial pode contribuir efetivamente no desenvolvimento do “sistema” de precedentes delineado pelo CPC/15.

 

Referências bibliográficas

[1] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

[2] “Entre os diversos impactos sofridos pelas relações sociais derivadas de tal revolução tecnológica estão, principalmente, o fluxo de informações disponíveis e acessíveis por meio de interconexões pelos computadores, bem como a necessidade de velocidade característica do cotidiano moderno”. SALDANHA, Alexandre Henrique Tavares; MEDEIROS, Pablo Diego Veras. Processo judicial eletrônico e inclusão digital para acesso à justiça na sociedade de informação. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 277, mar./2018, p. 542.

[3] No STJ, por exemplo, a ministra Nancy Andrighi atende os advogados através do aplicativo Skype.

[4] Nesse particular, destaque-se o caso MODRIA (mais eficiente que a plataforma nacional consumidor.gov), ferramenta desenvolvida dentro do eBay e do Paypal, que permite a customização para cada conflito, sendo considerada o maior case internacional de sucesso em matéria de ODR (essa ferramenta resolve aproximadamente 60 milhões de reclamações por ano, incluindo divórcios.

[5] RIBEIRO, Nathalia. Inteligência artificial na esfera jurisdicional e seu uso como ferramenta contributiva da atividade decisória. Texto gentilmente cedido pela autora (ainda inédito).

[6] Para uma análise mais detalhada, ver FERRARI, Isabela; BECKER, Daniel; WOLKART, Erik Navarro. Arbitrium ex machina: panorama, riscos e a necessidade de regulação das decisões informadas por algoritmos. Revista dos Tribunais online, vol. 995, set./2018.

[7] Com destaque para os julgamentos virtuais no STJ e no STF.

[8] NUNES, Dierle; VIANA, Aurélio. Deslocar função estritamente decisória para máquinas é muito perigoso. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-jan-22/opiniao-deslocar-funcao-decisoria-maquinas-perigoso. Acesso em 25.09.2019.

[9] Código QR. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%B3digo_QR. Acesso em: 25.08.2019.

[10] Alguns modelos de telefone podem exigir o download de aplicativos para fazer a leitura.

[11] CARVALHO FILHO, Antônio; CARVALHO, Luciana Benassi Gomes; PESGRAVE, Ana Beatriz Ferreira Rebello. O uso do QR code nos processos judiciais. Por que não? Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, nº 102, abr./jun./2019, p. 106.

[12] Assim, não é possível, por exemplo, apresentar uma petição inicial, uma apelação ou um agravo em formato de QR Code, diante da exigência do texto legal de haver uma “petição”, inclusive para que a pretensão esteja bem delimitada.

[13] ROVER, Tadeu. Advogado usa QR Code em petição para facilitar comunicação com juiz. Disponível em https://www.conjur.com.br/2017-set-25/advogado-usa-qr-code-peticao-facilitar-comunicacao-juiz. A Defensoria Pública também já utiliza a ferramenta. Informação disponível em https://www.anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=35752. Acesso em: 24.09.2019.

[14] Processo 0818389-98.2017.8.20.5004, 13º Juizado Especial Cível da Comarca de Natal (RN), decisão proferida em 2/10/2017.

[15] Já é possível gerar, de forma gratuita, um QR Code para petições. Vide, por exemplo, o site https://www.juscode.com.br/. Também existem geradores genéricos de QR Code (https://br.qr-code-generator.com/a1/?PID=1146&kw=qr%20code&gclid=CjwKCAjw5ZPcBRBkEiwA-avvk7Q-k4T2f_KtJUzXeZRLxP6uNxVq9HRurixLOZBwAk9iPNKz22JRfBoCdzIQAvD_BwE)

[16] Atributos que estão intimamente ligados ao processo eletrônico (artigos 2º, parágrafos 2º e 12, parágrafos 1º e 3º, da Lei 11.419/06). Sobre o tema, vale conferir CARVALHO FILHO, Antônio; CARVALHO, Luciana Benassi Gomes; PESGRAVE, Ana Beatriz Ferreira Rebello. O uso do QR code nos processos judiciais. Por que não? Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, nº 102, abr./jun./2019, p. 109.

[17] Como se sabe, a prova não é para o juiz, mas, sim, para o processo e sobre ela os sujeitos processuais devem ter ampla possibilidade de se manifestarem e influírem eficazmente na convicção do julgador (artigo 369 do CPC).

 

[18] FENOLL, Jordi Nieva. Inteligencia artificial y proceso judicial. Madrid: Marcial Pons, 2018, pp. 20-23.

[19] Art. 196. Compete ao Conselho Nacional de Justiça e, supletivamente, aos tribunais, regulamentar a prática e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico e velar pela compatibilidade dos sistemas, disciplinando a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e editando, para esse fim, os atos que forem necessários, respeitadas as normas fundamentais deste Código.

[20]O inteiro teor da Portaria nº 25/19 pode ser encontrada em https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/150670/2019_port0025_cnj.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 24.09.2019.

[21] “O projeto de pesquisa e desenvolvimento (P&D), intitulado VICTOR, tem como objetivo aplicar métodos de AM para resolver um problema de reconhecimento de padrões em textos de processos jurídicos que chegam ao Supremo Tribunal Federal (STF). Especificamente, o problema a ser resolvido é a classificação (vinculação) de processos em temas de Repercussão Geral (RG) do STF. Isto é, trata-se de um problema de Processamento de Linguagem Natural (PLN), o que especificamente requer o desenvolvimento de um sistema composto por algoritmos de aprendizagem de máquina que viabilize a automação de análises textuais desses processos jurídicos. Isso está sendo feito com a “arquiteturação” de modelos de AM para classificar os recursos recebidos pelo STF quanto aos temas de RG mais recorrentes, com o objetivo de integrar o parque de soluções do STF para auxiliar os servidores responsáveis pela análise dos recursos recebidos e identificar os temas relacionados com eficiência e celeridade.” SILVA, Nilton Correia da. Notas iniciais sobre a evolução dos algoritmos do VICTOR: o primeiro projeto de inteligência artificial em supremas cortes do mundo. In: FERNANDES, Ricardo Vieira de Carvalho; CARVALHO, Angelo Gamba Prata de Coord. Tecnologia jurídica & direito digital: II Congresso Internacional de Direito, Governo e Tecnologia – 2018. Belo Horizonte: Fórum, 2018. pp. 89-90.

[22] https://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/id/24875517?post_id=noID

[23] Nome dado em homenagem a Serzedello Corrêa (1858-1932), Ministro da Fazenda e um dos principais idealizadores do Tribunal de Contas.

[24] “A solução utiliza modelos de machine learning para identificação da intenção do usuário e extração de entidades do texto. A partir das informações digitadas, a ferramenta detecta a intenção do usuário, extrai as entidades relevantes e gerencia o fluxo da conversa utilizando natural language understanding (NLU). A inteligência artificial está embutida em várias etapas do processo, em especial na realização dos treinamentos dos diálogos. O serviço cognitivo named entity recognition (NER), citado anteriormente, também foi utilizado para a identificação e extração dos nomes de pessoas presentes nos diálogos. Para conversar com o Zello, basta acessar o @TCUoficial no Twitter e interagir por meio de mensagens diretas.”  FELISDÓRIO, Rodrigo César Santos; SILVA, Luís André Dutra e. Inteligência artificial como ativo estratégico para a Administração Pública. In: FERNANDES, Ricardo Vieira de Carvalho; CARVALHO, Angelo Gamba Prata de (Coord.). Tecnologia jurídica & direito digital: II Congresso Internacional de Direito, Governo e Tecnologia – 2018. Belo Horizonte: Fórum, 2018. pp. 98-99.

[25] Vale também mencionar WATSON e o ROSS, que servem para coletar legislação e jurisprudência. Além disso, trazem informações relevantes sobre o tema debatido no processo e calcula as taxas de êxito.

[26]  Essa lógica também se aplicaria, por exemplo, no exame de admissibilidade dos recursos. A propósito, vale destacar, por exemplo, o enunciado 83 da Súmula do STJ: Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.

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Marcelo Mazzola

Socio, Advogado, Agente da Propriedade Industrial

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