por Filipe Fonteles Cabral
01 de dezembro de 2005
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O último Seminário Anual da (entidade americana de auto-regulamentação publicitária, equivalente ao CONAR), ocorrido em Nova Iorque, durante a Semana da Publicidade, trouxe à tona a discussão sobre uma antiga estratégia publicitária: a exibição de marcas em filmes ou programas de televisão.
Vulgarmente conhecida no Brasil pelo nome de merchandising, a inserção de produtos (product placement, pela expressão inglesa) é uma forma sutil de publicidade subliminar, em que o anunciante patrocina a obra em troca da veiculação do seu produto em cena.
Essa estratégia de marketing não é nova. Estudiosos do tema apontam os filmes de Hollywood dos anos 40 como o berço do product placement. Não obstante, essas práticas têm se tornado cada vez mais correntes e o crescimento desse tipo de comunicação já é reconhecido pelos publicitários.
Paradoxalmente, o motivo da retomada da velha tática de publicidade tem fundamentos modernos: a tecnologia digital. Aparelhos como o DVR (digital video recorder, cujo maior expoente é o TiVo), celulares 3G e MP3/MPEG players estão mudando a forma de distribuição de conteúdo e, principalmente, o comportamento dos telespectadores. Na prática, o tradicional "intervalo comercial" está ameaçado, já que o consumidor tem agora a opção de "pular" esse trecho da programação.
A reação dos anunciantes não tardou: se o futuro dos intervalos comerciais está comprometido, a solução é levar a publicidade para dentro do próprio programa, retomando-se a antiga estratégia da inserção de produto.
Deixando de lado a eficácia dessa técnica publicitária em termos de retorno sobre investimento ou de simpatia dos consumidores, o aumento dessa exploração já tem suscitado algumas discussões no campo jurídico.
Nos Estados Unidos, a ONG Commercial Alert, cuja missão é a proteção da sociedade contra os abusos no comércio, fez uma petição formal à FTC (Federal Trade Commission) reivindicando a investigação e regulamentação da prática de inserção de produtos em programas de televisão. De acordo com a ONG, "é um princípio básico da lei e da moral comum que anunciantes sejam honestos com os expectadores. Anunciantes podem fazer ressalvas e usar todas as inúmeras malandragens do seu segmento, mas não podem fingir que seus anúncios são algo diferente. (…) Os veículos de comunicação (…), omitem a identificação dos anúncios como tal, e fazem crer que os anúncios são meras partes dos programas". A entidade entende que a inserção de produto que não seja claramente identificada como uma publicidade patrocinada gera um poder de sedução e convencimento maior sobre o consumidor, o que seria imoral e ilegal sob a legislação americana.
A FTC, no entanto, rejeitou o requerimento da Commercial Alert sob o argumento de que só haveria propaganda enganosa se a publicidade explorasse a performance do produto de forma irreal. Também ponderou que o desejo de compra do consumidor surge com a própria visualização do produto e independe da presença ou ausência de patrocínio. Conclui a FTC que os casos de abuso de product placement podem ser analisados caso a caso, sob as regras gerais de honestidade na publicidade, não justificando a criação de regras específicas.
No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor prevê que "a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal" (artigo 36). O Código de Ética do CONAR, da mesma forma, prevê que "o anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual for a sua forma ou meio de veiculação" (artigo 28), essa regra também abrange o product placement (artigo 10).
Nota-se que, diversamente da legislação norte-americana, o sistema normativo brasileiro dispõe expressamente sobre a identificação dos anúncios e obriga o anunciante a identificar sua publicidade como tal.
Isso não significa que a chamada publicidade subliminar esteja banida do nosso ordenamento jurídico. Se por um lado existe a obrigação, por outro não existe uma determinação sobre a forma da identificação. É evidente que a ausência dessa regulamentação não significa que o anunciante possa inserir uma ressalva imperceptível no comercial. Isso afrontaria os princípios de honestidade da propaganda (artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor e art. 1º do Código de Ética do CONAR). Todavia, ao anunciante é permitida uma grande flexibilidade sobre essa identificação, facultando ao publicitário a criação de uma ressalva que não prejudique a integridade da obra (sempre observando os princípios legais).
A atenção para essas regras específicas do setor publicitário brasileiro é vital para as empresas que importam conteúdo. Como visto, a legislação de alguns países não prevê a obrigação de identificação do anúncio e, nessa esteira, muitos filmes, seriados e programas de televisão contendo product placement são exibidos em território nacional em desacordo com as normas locais.
A fim de evitar qualquer tipo de responsabilidade do anunciante ou do veículo de comunicação perante as autoridades brasileiras, nos casos de inserção de produto, convém a revisão detida do conteúdo frente às regras locais sobre o assunto.