por Marcelo Mazzola
08 de junho de 2015
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Por Marcelo Mazzola
Antes mesmo da aprovação do novo CPC, doutrinadores já divergiam sobre a efetividade da norma elencada no texto final dele (art. 6º), que dispõe que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.”
Parte da doutrina entende que a referida disposição cria uma situação utópica, pois a expressão “entre si” sugere que autor e réu caminhem de mãos dadas para alcançar a solução final, o que não seria condizente com o espírito bélico dos litigantes e suas posições antagônicas que, invariavelmente, impedem essa solidariedade processual.
Alguns chegam a sustentar a inconstitucionalidade do aludido dispositivo – ou, no mínimo, que fala de uma interpretação conforme, limitando sua incidência[1].
Vale lembrar, porém, que não se deve interpretar um dispositivo de forma isolada, ignorando o contexto, a essência, a teleologia e a sistemática do ordenamento jurídico. Aliás, sábias são as palavras do Padre Fábio de Melo: “Não interprete ao pé da letra. Pelo corpo do texto estão as partes que compõem o sentido. Esta regra vale para as relações humanas.”
Assim, quando a norma em questão menciona que os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão justa e efetiva, o que deve ser aquilatado é a ratio essendi do dispositivo.
No caso específico, parece claro que a intenção do legislador tem duas vertentes na consagração desse princípio e modelo cooperativo.
A primeira é estimular e incentivar o diálogo entre o Juiz e as partes. De fato, o Magistrado não pode mais ser um mero espectador do conflito e usar sua autoridade para se livrar do imbróglio. Precisa escutar com ouvidos de ouro, enxergar com olhos democráticos, pedir esclarecimentos, dirimir dúvidas, prevenir e dar orientações. Uma espécie de guia do caminho a ser trilhado.
Mais do que isso, o Juiz deve tentar aproximar as partes, refletir e inserir os litigantes nessa busca da justa e efetiva solução, não surpreendendo os jurisdicionados com “decisões surpresa”. Por exemplo, não pode indeferir provas e depois julgar improcedente o pedido da parte alegando instrução probatória deficiente. Ou, então, determinar a emenda da petição inicial, sem esclarecer o que, na sua visão, não estaria adequado, e depois indeferir a peça inaugural. Poder-se-ia citar várias situações análogas.
Com o advento do novo CPC, antes de decidir sobre uma questão não ventilada na lide capaz de influenciar o resultado da causa, o Magistrado deverá intimar as partes para se manifestarem a respeito, ainda que se trate de matéria que o mesmo deva decidir de ofício.
Da mesma forma, deverá o condutor da causa garantir a paridade de armas, distribuir dinamicamente o ônus da prova entre os litigantes e apontar as deficiências postulatórias das partes, permitindo que as mesmas sejam supridas. Sua participação ativa não fere sua isonomia, pois, na cooperação, os deveres são recíprocos e todos os agentes são protagonistas da própria condução do processo.
Por outro lado, o dever de cooperação exige que os litigantes cooperem entre si. Porém, diferentemente do que se possa pensar, não se espera que uma parte forneça munição à outra, reconheça a procedência do direito alheio ou cometa o chamado “sincericídio”. Isso, obviamente, não faria muito sentido. Se fosse assim, um réu, vislumbrando a fragilidade de sua posição, cogitaria ficar revel ao invés de contestar a ação.
Na verdade, o espírito do novo CPC é alçar a ética, a honestidade e a lealdade das partes como standards de conduta[2], facilitando a gestão do processo pelo Juiz e permitindo que se chegue à solução mais justa e efetiva.
A cooperação não significa assunção de culpa. O litigante pode até omitir algum acontecimento, mas essa omissão não pode contaminar a narrativa como um todo. Exige-se, na realidade, a boa fé objetiva como comportamento e uma atuação limpa dos litigantes, reprovando-se o uso de artifícios e ardis para distorcer os fatos e retardar a entrega da prestação jurisdicional.
Em suma, o processo deixa de ser um conjunto de despachos e decisões, e passa a ser uma grande atividade cooperativa, na qual cada agente tem sua função e seus interesses próprios, mas ambos caminham com o mesmo foco, almejando um justo e efetivo desfecho para a causa.
Não há dúvidas de que a democratização do processo implica uma total remodelação do papel do Juiz na condução da causa, mas a sugestão de mudança vem em boa hora, pois uma das maiores aflições do jurisdicionado é não ser ouvido, enquanto a do Magistrado, talvez, seja a de decidir sem justiça e efetividade.