por Marcelo Mazzola
23 de fevereiro de 2018
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Por Marcelo Mazzola
O CPC/2015 trouxe importantes alterações na parte relativa aos honorários sucumbenciais. Em linhas gerais, os parágrafos do artigo 85 encampam alguns entendimentos jurisprudenciais sedimentados na vigência do CPC/1973[1], esclarecem questões de ordem prática[2] e autorizam a fixação de honorários sucumbenciais recursais[3].
Além disso, em boa hora, o legislador previu — diferentemente do diploma revogado — que, mesmo nas causas em que “não houver condenação” (artigo 20, parágrafo 4º, CPC/1973), deverá o juiz fixar a verba sucumbencial entre o percentual mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa (artigo 85, parágrafo 2º). O código é claro ao estabelecer que os limites e critérios ali previstos “aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito” (artigo 85, parágrafo 6º).
Portanto, com exceção daqueles casos envolvendo a Fazenda Pública (em que há regramento próprio — artigo 85, parágrafos 3º a 5º), de processos em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório, ou o valor da causa for muito baixo (hipótese em que a fixação da verba sucumbencial deve ser feita de forma equitativa — artigo 85, parágrafo 8º), do processo de execução e de alguns procedimentos especiais (que possuem normas específicas[4]), o julgador deverá fixar os honorários dentro da moldura de 10% a 20%.
Quanto aos critérios para a definição do respectivo percentual, não houve alterações. Permanecem os mesmos standards: grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, e o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para seu serviço.
É com base nesses critérios que o julgador deve fundamentar e justificar o percentual da verba sucumbencial (artigos 93, IX, da Constituição Federal e 11 e 489, parágrafo 1º, CPC/15)[5].
Pois bem, assentadas tais premissas, propõe-se uma questão para reflexão: a atuação cooperativa dos advogados pode repercutir na fixação da verba sucumbencial?
Como se sabe, o artigo 6º do CPC/2015 estabelece que todos os sujeitos processuais devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva[6].
Nesse contexto, seria possível correlacionar a atuação cooperativa do causídico com a fixação de sua verba sucumbencial? Entendemos que sim.
Apesar da cooperação — norma estruturante do processo civil — não estar expressamente prevista nos incisos I a IV do parágrafo 2º do artigo 85, ali estão estampados alguns conceitos jurídicos indeterminados que se conectam à atividade colaborativa.
Por exemplo, no que tange ao “grau de zelo do profissional”, entendemos que o juiz, além de analisar se o causídico tutelou de forma devida os interesses de seu cliente, poderia avaliar se o mesmo cooperou para a entrega de uma prestação jurisdicional célere (artigos 4º e 6º) e eficiente (artigo 8º). Ou seja, o seu “grau de zelo” com a própria jurisdição. Afinal, como pontuam Dierle Nunes e Alexandre Bahia, todos devem cooperar para “o resultado final”[7].
Nesse particular, entendemos que o advogado que propõe demanda ignorando a existência das chamadas cláusulas de paz; apresenta petições ineptas ou ininteligíveis; destrata colegas, partes e serventuários da Justiça; interpõe recursos destituídos de fundamento; revolve teses jurídicas já definidas em precedentes qualificados, sem fazer o distinguishing; retarda o processo com o recolhimento equivocado de custas; provoca dilações de prazo sem necessidade; entre outros, não age, evidentemente, de forma zelosa e cooperativa, expondo, ainda, seu cliente às penas por litigância de má-fé.
Por outro lado, aquele advogado que estimula os métodos adequados de resolução de conflitos (artigo 3º, parágrafo 3º, do CPC/2015); indica precedentes vinculativos em suas petições, explicando de forma objetiva sua incidência no caso concreto; se preocupa em delimitar as questões controvertidas facilitando o saneamento pelo juiz[8]; não intervém em depoimentos sem autorização (artigo 361, parágrafo único); e cumpre seus prazos regularmente, entre outros, atua com zelo e espírito colaborativo.
Sob outro prisma, em relação à expressão “trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço”, pensamos que o juiz poderia considerar não apenas a atuação do causídico no âmbito do processo judicial, mas também na esfera pré-processual.
Explica-se.
Vamos imaginar, por exemplo, que um advogado, antes de judicializar a questão, proponha uma mediação extrajudicial ou tente buscar um acordo, formalizando suas tentativas por e-mail ou mesmo sugerindo reuniões. E que, mesmo não sendo possível a autocomposição, ainda resolva enviar uma notificação extrajudicial franqueando ao futuro adversário uma última oportunidade para a composição consensual.
Ora, por que não considerar esse trabalho do advogado e o tempo dedicado ao tema (objeto da futura ação) no momento de fixação dos honorários na fase judicial? Por que não prestigiar condutas colaborativas pré-processuais, quando a demanda for patrocinada pelo mesmo causídico (ou pela sociedade da qual faz parte) que se ocupou do assunto na fase extrajudicial?
Claro que, para a definição do percentual de honorários, o juiz deve levar em consideração todos os critérios legais (previstos no parágrafo 2º do artigo 85, CPC/2015), mas o que estamos propondo é a releitura de alguns conceitos ali indicados, à luz da cooperação[9]. O que se pretende, em última análise, é premiar condutas colaborativas.
Essa lógica[10], ao menos em tese, também teria o condão de fomentar uma atuação mais cooperativa dos advogados das partes durante toda a marcha processual. Sim, porque como os honorários não podem mais ser compensados (artigo 85, parágrafo 14), o juiz, em caso de sucumbência recíproca — se constatada a atuação colaborativa dos causídicos[11] e observados os demais requisitos legais —, poderia aplicar, de forma fundamentada, um percentual acima do mínimo legal para cada profissional, ou mesmo de forma individualizada à luz da atuação de cada um.
Em suma, é preciso avançar, ainda que timidamente, em direção a uma interpretação mais consentânea com os vetores estruturantes do processo civil contemporâneo.
[1] Como, por exemplo, a natureza alimentar dos honorários, a fluência dos juros moratórios a partir do trânsito em julgado da decisão, a aplicação do princípio da causalidade e o reconhecimento de que a verba pertence aos advogados, e não à parte, entre outros.
[2] Possibilidade de pagamento dos honorários em favor da sociedade de advogados que integra na qualidade de sócio.
[3] Artigo 85, parágrafo 11.
[4] Por exemplo, artigo 701 do CPC/2015.
[5] Embora alguns juízes insistam, mesmo depois do CPC/2015, em fixar genericamente os percentuais, sem motivar o patamar escolhido. São inúmeras as decisões nesse sentido. Vide, a propósito, a sentença proferida por magistrada carioca no Processo 0168163-76.2016.8.19.0001 em 24/10/2017.
[6] Para uma análise mais vertical do tema, sugerimos o nosso MAZZOLA, Marcelo. Tutela Jurisdicional Colaborativa: a cooperação como fundamento autônomo de impugnação. CRV: Curitiba, 2017.
[7] NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Processo e República: uma relação necessária. Disponível em https://justificando.com/2014/10/09/processo-e-republica-uma-relacao-necessaria/. Acesso em 7/2/2018.
[8] Como destacam Humberto Dalla e Tatiana Alves, a cooperação não é apenas agir com boa-fé. Na sua percepção, agir com boa-fé significa se abster de incidir em alguma das condutas tipificadas como atos de improbidade processual, enquanto que agir de forma colaborativa pressupõe uma conduta proativa. “É um fazer quando o agente poderia, simplesmente, se omitir.” PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; ALVES, Tatiana Machado. A cooperação no novo Código de Processo Civil: desafios concretos para sua implementação. Revista Eletrônica de Direito Processual –REDP. Vol. 15. Janeiro a Junho de 2015, p. 252.
[9] Como lembra Fredie Didier, a exigência de cooperação na órbita processual “não é um fato isolado no universo jurídico; antes é um corolário das transformações pelas quais passou o direito positivo durante o século XX, notadamente o reforço da ética das relações jurídicas”. DIDIER JR., Fredie. Fundamentos do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português. Coimbra: Coimbra, 2010, p. 102.
[10] Também aplicável quando o juiz tiver que fixar os honorários sucumbenciais por equidade.
[11] Além das condutas já citadas, outros exemplos de atuação conjunta — e colaborativa — dos advogados das partes são a delimitação consensual das questões de fato e de direito, a ser homologada pelo juiz, para o julgamento da causa (artigo 357, parágrafo 2º, do CPC), e a distribuição diversa do ônus da prova por convenção processual (artigo 373, parágrafo 3º), que inclusive pode ser realizada antes do processo.