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As Entrelinhas da Indenização nos Casos de Parasitismo

por Marcelo Mazzola

01 de julho de 2004

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 I – INTRODUÇÃO

 
O objetivo do presente trabalho é aprofundar o estudo do instituto do “aproveitamento parasitário”, sugerindo uma nova alternativa para se buscar o pedido de indenização decorrente de atos de parasitismo.
 
A relevância do tema está no fato de que a tese do parasitismo vem sendo finalmente reconhecida pelo Poder Judiciário e também porque as inovações do Código Civil de 2002 deram contornos exatos ao princípio do enriquecimento sem causa, conseqüência indissociável do parasitismo.
 
Nesse artigo, será comentada a relação entre concorrência parasitária e aproveitamento parasitário, seus conceitos e peculiaridades, bem como suas diferenças, realçadas por exemplos concretos e recentes.
 
Todavia, o ponto nodal do trabalho consiste em examinar a possibilidade de se buscar indenização por atos de aproveitamento parasitário, já que nessa modalidade específica, não existe o desvio de clientela e, portanto, não se pode falar em lucros cessantes, o que, conseqüentemente, afasta a aplicação da Lei de Propriedade Industrial, como se verá mais adiante.
 
Antes de passar ao foco central do texto, cabe tecer breves comentários sobre os institutos da concorrência parasitária e do aproveitamento parasitário, até mesmo para facilitar o enfrentamento do assunto e elucidar a controvérsia.
 
II – CONCORRÊNCIA PARASITÁRIA X APROVEITAMENTO PARASITÁRIO
 
 
a) Conceitos
 
Embora sejam classificações onde o personagem do parasita é traço marcante e característico, as modalidades não se confundem, apenas se tangenciam.
 
Na concorrência parasitária, o concorrente procura inspiração nas realizações de outro empresário, ou objetiva tirar proveito do seu fundo de comércio e de suas inovações no plano tecnológico, artístico ou comercial, sem estar agindo em manifesta violação aos direitos do empreendedor.
 
Numa visão isolada, os atos desse parasita não constituiriam atos ilícitos, mas sua constância, repetição e a nítida intenção de copiar a linha de produção e criação alheia, isto é, a própria direção tomada pelo pioneiro, evidenciam uma situação de concorrência parasitária.
 
Por isso, é muito importante que esses atos de “vampirismo” sejam analisados dentro de um contexto, e não de forma autônoma. Ora, uma pessoa que adota unicamente característica isolada do produto, serviço ou modus operandi do concorrente, em tese, não pratica ato de concorrência parasitária. No entanto, se existirem outras “semelhanças” propositais, poderá estar configurada a intenção de “pegar carona” no negócio desenvolvido por outrem.
 
Diz-se que na concorrência parasitária não se agride de modo ostensivo, direto ou frontal, mas de forma indireta, sutil e sofisticada. O que a caracteriza é o fato de tais atos não se enquadrarem na noção clássica e convencional de concorrência desleal, onde a finalidade precípua é o desvio de clientela, e não “sugar” o trabalho, o esforço, o investimento e a criação alheia.
 
É por esta razão que muitos doutrinadores afirmam que a concorrência parasitária é espécie do gênero concorrência desleal, sendo o aproveitamento parasitário uma espécie do gênero enriquecimento ilícito. Hoje em dia, a repressão à concorrência desleal não pressupõe mais a competição direta no mercado, podendo abranger, também, qualquer situação de possibilidade de prejuízo ao negócio da pessoa ou da empresa, ainda que não haja desvio de clientela.
 
Diferentemente da concorrência parasitária, o aproveitamento parasitário pode ser conceituado como o ato de um comerciante ou industrial que, mesmo sem intenção de causar dano, tira ou procura tirar proveito da criação de obra artística, literária ou intelectual de terceiro, ou do renome alheio adquirido legitimamente, sem que haja identidade ou afinidade entre os produtos e os serviços das empresas, pressupondo uma relação de não concorrência.
 
Nessa modalidade, o parasita se aproveita de um elemento atrativo de clientela de terceiro (que não é seu concorrente), sem necessariamente prejudicar e desviar consumidores deste, se enriquecendo ilicitamente graças ao esforço, trabalho, investimento e criação alheia.
 
Sobre o tema, é elucidativa a lição de J. C Sampaio de Lacerda, exposta no livro “Concorrência Desleal”, do autor Hermano Durval, ed. Saraiva, pág. 316:
 
“Conquanto a atividade comercial do agressor seja diferente, procura ele obter êxito através do bom conceito já consagrado. Não visa, pois, ao prejuízo de outro comerciante. Sua intenção, seu objetivo é tirar vantagem do nome e do conceito adquiridos pelo outro.”
Nessa mesma obra, o doutrinador HERMANO DURVAL comenta:
 
“Nos EUA, o mais famoso ‘case’ (Inter. News, Service X Associated Press) permitiu à Corte Suprema fixar o ‘passing-off’ da doutrina inglesa no aforismo ‘Nobody can to reap he was not sown’ (ninguém tem o poder de colher onde não plantou).
Relata também o doutrinador DENIS BOGES BARBOSA que na Itália, a Corte de Cassação decidiu que o empresário comercial que, de modo sistemático e contínuo, tira proveito dos estudos, despesas de preparação e de penetração de terceiro, consegue vantagens, “mas evitando o risco do insucesso” (In, “Uma Introdução à Propriedade Intelectual”, 2ª edição, ed. Lúmen Júris, ano 2003, pág. 324).
 
Em suma, a diferença principal entre os institutos da concorrência parasitária e do aproveitamento parasitário é que na primeira existe o desvio de clientela, já que os envolvidos são concorrentes, enquanto na segunda o que a evidencia é a tentativa do infrator de se beneficiar graciosamente do trabalho, do investimento e da criação de terceiro, que não atua no mesmo ramo do parasita.
 
 
b) Evolução Legislativa
 
Administrativamente, a questão já é conhecida de todos aqueles que militam na área, mormente após o parecer elaborado pelo então presidente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, Dr. José Roberto Gusmão, que aborda a questão do depósito de marcas renomadas, por terceiros, ainda que em classes diferentes e não afins:
 
“Fica claro que o aproveitamento parasitário da fama, do renome ou do prestígio de signos distintivos alheios constituem atos contrários ao direito. Fica claro, por exemplo, que o ato de depósito de marca alheia renomada, ainda que para designar produto ou serviço distinto do original, constitui um desvio de função do direito (ou da faculdade) dado aos comerciantes e industriais, de depositar marcas iguais ou semelhantes às de outros comerciante, para assinar produtos distintos.
O ato, em si, não é contrário à lei, mas é contrário ao direito. Ele implica, objetivamente, numa possibilidade de causar dano concreto à reputação da marca afamada e uma permissão de enriquecimento sem causa, ambas situações combatidas pelo sistema jurídico.”
 
Em sede administrativa, são várias as decisões do órgão marcário, valendo-se trazer à baila os seguintes julgados:
 
” Todavia, a situação que restou configurada nos autos não está a merecer reparo. Na verdade, o que está ocorrente é o que a doutrina francesa denomina de “agissements parasitaires”, e que, aqui, chamamos de “ato de aproveitamento parasitário de marca alheia”.
Ora, é incontestável o fato de que a Recorrente, ao solicitar, em 1985, o registro da expressão “HÄAGEN-DAZS”, tentava locupletar-se às custas da fama adquirida a nível internacional (…). Atos como este, de inequívoca procura de enriquecimento sem causa, constituem fraude à lei, e são, inclusive, passíveis de reparação por eventuais prejuízos causados a terceiros, bem como ao poder atrativo da marca, segundo a Teoria da Responsabilidade Civil (Código Civil, art. 160, inciso I).
 
Dessa forma, não há como o INPI abster-se, no caso, para encobrir ato que, aparentemente, se constituiria no exercício regular de um direito (o depósito de marca), mas que, na realidade, é contrário ao direito, posto que denota inequívoca busca de se aproveitar, parasitariamente, de fama e prestígio a que não faz jus.”
 
“Em verdade, o que está ocorrendo é o que denominamos de ‘ato de aproveitamento parasitário’, de fama de marca alheia, pois o signo marcário ‘BOSS’ para artigos de vestuário e cosméticos é bastante afamado e adquiriu respeitabilidade dos consumidores do País, não só pela qualidade dos produtos que assinala, mas também, pelo marketing maciço feito pela empresa Recorrente. Assim sendo, não é lícito a requerida utilizar-se do sinal ‘BOSS’ já apropriado por terceiro a título de marca, no mundo dos negócios. Dessa forma, não há como o INPI abster-se, no caso, para encobrir ato que, aparentemente, se constituiria no exercício regular de um direito (o depósito de marca em classe diversa onde já se encontra apropriada por terceiro, mas que, na realidade é contrário ao direito, posto que denota inequívoca busca de se aproveitar, parasitariamente, de prestígio a que não faz jus o titular do registro.”
 
Vale frisar que a tese de abuso de direito sustentada pelo INPI, estava, até aqui, apoiada pela interpretação feita a contrariu sensu do artigo 160, inciso I do Código Civil de 1916:
 
Art. 160 Não constituem atos ilícitos:
I – Os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido.
 
Como o depósito nas condições acima não era realizado em legítima defesa ou no exercício regular de um direito, a interpretação, a contrariu sensu, era que o depositante praticava um ato ilícito. Todavia, a sistemática não era aplicada com tranqüilidade pelo Poder Judiciário, exatamente por falta de expressa previsão legal.
 
Hoje, a questão está superada pela redação do artigo 187 do novo Código Civil:
 
Art. 187 Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes.
Tal artigo diz respeito ao abuso de direito ou ao exercício irregular do direito. Toda vez que o uso de um direito, poder ou coisa, for além daquele permitido ou extrapole as limitações jurídicas, causando lesão a alguém, ensejará o dever de indenizar, notadamente porque, sob a aparência de um ato legal ou lícito, marcara-se a ilicitude no resultado, seja por afronta ao princípio da boa fé e aos bons costumes, seja por desvio de finalidade para o qual o direito foi estabelecido.
 
 
c) O Judiciário
 
Após muitos anos de desprezo e desconsideração à relevância dos atos de “vampirismo”, o Poder Judiciário, atento às atitudes cada vez mais oportunistas de infratores inescrupulosos, finalmente passou a contemplar a tese do parasitismo.
 
Recentemente, nos autos da medida cautelar oferecida pelas empresas PEPSICO, INC e PEPSICO DO BRASIL em face de uma empresa localizada na Comarca de Poços de Caldas/MG, que pretendia organizar um evento musical denominado “RUFFLES REGGAE, o Juiz que preside a causa, acolhendo a tese de aproveitamento parasitário e violação de marca registrada, deferiu a liminar vindicada pelas autoras, verbis:
 
” Busca a requerente resguardar os seus direitos em relação às marcas que detém registro junto ao INPI denominadas “RUFFLES”, “RUFFLES REGGAE” e “ELMA CHIPS”, e que estariam sendo usadas indevidamente pela empresa requerente ao programar para o dia 10/04/2004 um evento musical nas suas dependências utilizando, inclusive, de farta propaganda e material publicitário na cidade de Poços de Caldas na sua divulgação.
Encaderna com a inicial robusta prova documental do alegado, estando o pleito acobertado pelos dispositivos previstos na Lei de Propriedade Industrial.
Assim, arrimado na faculdade concedida pelo art. 209 da Lei nº 9.279/96, uma vez presentes os pressupostos da verossimilhança, além dos requisitos da medida cautelar, tais como fumus boni iuris e periculum in mora, que autorizam a concessão da medida acautelatória perseguida na presente ação, e pelo fato da autora, realmente, possuir os nomes referidos e registrados no INPI para a fabricação e distribuição dos produtos contendo as referidas marcas, determino que a suplicada se abstenha, imediatamente, de usar as marcas da suplicante como denominação do acontecimento musical, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Concedo, ainda, a ordem de busca e apreensão de todo o material destinado a divulgar e de caráter promocional do evento RUFFLES REGGAE – 2004, bem como o recolhimento imediato, pela requerida, do material de propaganda espalhado pela cidade com o mesmo objetivo já apontado. (Medida cautelar nº 051804059547-3, 3ª Vara Cível de Poços de Caldas, proferida em 07 de abril de 2004″
Outra decisão interessante foi a de um caso envolvendo um motel de São Paulo (MOTEL SABIÁ), que trocou o nome que utilizava pela expressão MOTEL ABSOLUT. A titular da referida marca obteve liminar proibindo a ré de usar o aludido sinal. Na decisão liminar, o Juiz afirmou que “embora o ramo de atividade, a primeira vista, seja diverso, pode, sem dúvida nenhuma, estar sendo usada de forma indevida para atração, em prejuízo da autora”.
 
Na sentença, o magistrado confirmou a liminar, salientando que “o fato da autora e ré atuarem em ramos diferentes, por si só, não autoriza a utilização da expressão; existe o risco de associação com a marca da autora que deve ser evitado; a associação se faz presente quando um terceiro resolve utilizar uma marca conhecida para identificar seu produto, aproveitando-se do prestígio de uma marca anteriormente conhecida pelo público.” (Processo nº 02.186836-0, 9ª Vara Cível Central da Comarca de São Paulo, proferida em 29 de março de 2004)
 
Uma outra decisão nesse sentido foi proferida nos autos da medida cautelar proposta pela TVSBT – CANAL 4 DE SÃO PAULO S.A em face de ITABA INDÚSTRIA DE TABACO BRASILEIRA LTDA., que lançou no mercado um cigarro identificado pela expressão “MILHÃO”. A liminar pleiteada naquela demanda também foi deferida, valendo-se destacar da decisão o seguinte trecho:
 
“Ainda que ambas as empresas desenvolvam atividades absolutamente distintas entre si, não se pode olvidar de que o “SHOW DO MILHÃO” e o logotipo que ilustra a atração veiculada pela autora tornaram-se nacionalmente conhecidos através de seu apresentador, cuja popularidade é notória. Por óbvio, a veiculação da expressão “MILHÃO” na forma de um sinal emblemático que, à primeira vista, guarda enormes semelhanças com aquele relacionado à atração, pode levar os consumidores a pensar que estão adquirindo um produto veiculado ao programa, o que pelo que se vê, não é o caso do cigarro supostamente comercializado pela ré, o que pode trazer prejuízos irreparáveis à autora. Desta forma (…), defiro a liminar para que seja feita a busca e apreensão de todo o material contendo a marca ilustrada, em todas as suas variações, isoladamente ou associada a outras, encontrado no estabelecimento da ré e outros estabelecimentos comerciais da cidade. Determino, ainda, liminarmente, que a ré se abstenha do uso da marca MILHÃO dentro dos moldes descritos na inicial ou assemelhados, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 2.000,00, sem prejuízo das demais penalidades civis e criminais.” (Medida cautelar nº 05/04, Vara Distrital de Jandira, Comarca de Barueri, proferida em 29 de janeiro de 2004)
 
 
III – COMO BUSCAR A INDENIZAÇÃO EM CASOS DE PARASITISMO
 
 
a) Concorrência Parasitária
 
Nessa modalidade, a questão não se reveste de maiores dificuldades. Muito embora nesse instituto não exista necessariamente desvio de clientela, uma vez que os consumidores não são confundidos pelo concorrente, isto é, não adquirem produtos ou contratam serviços achando que estão fazendo negócio com pessoa diversa da pretendida, não há como se negar que o lesado tem sua expectativa de lucro frustrada, uma vez que o seu potencial de vendas é atingido pela conduta do parasita.
 
Isso porque, valendo-se do fundo de comércio, das inovações tecnológicas, artísticas e comerciais do concorrente, o infrator consegue realizar lucros maiores, que afetam conseqüentemente as vendas do lesado.
 
Portanto, nesse caso, existem os lucros cessantes, razão pela qual não há obstáculo técnico-jurídico para a aplicação dos artigos 208 e 210 da Lei de Propriedade Industrial, que dispõem:
 
Art. 208 A indenização será determinada pelos benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido.
Art. 210 Os lucros cessantes serão determinados pelo critério mais favorável ao prejudicado, dentre os seguintes:
 
I – os benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido;
 
II – os benefícios que foram auferidos pelo autor da violação do direito; ou
 
III – a remuneração que o autor da violação teria pago ao titular do direito violado pela concessão de uma licença que lhe permitisse legalmente explorar o bem.
 
Recentemente, em caso resolvido extrajudicialmente, o site de cosméticos e perfumes SACK’S (www.sacks.com.br) percebeu que diversos concorrentes seus estavam reproduzindo integralmente as fotografias e as resenhas elaboradas sobre seus produtos, cujos direitos autorais lhe haviam sido cedidos pelo respectivo fotografo e consultor de fragrâncias contratados.
 
A ilustração abaixo demonstra com clareza os atos do parasita.
 
 

 

 

Foto no site da SACK’s

 

 

Foto no site do parasita

 

Resenha original:

Floral frutal, doce o suficiente para se saborear. Suas notas combinam tangerina, cereja preta, jasmim de quatro pétalas da Indonésia, lírio-do-vale, almíscar branco e âmbar cinza. Para a mulher moderna, bonita, que gosta de novidades e de celebrar o humor.

Resenha copiada:

Para a mulher moderna, bonita, que gosta de novidades e de celebrar o humor.”

 




Como se vê, nesse caso o infrator estava nitidamente se aproveitando do trabalho artístico e técnico da SACK’S, que realizou gastos com o fotógrafo e o consultor em fragrância contratados, unicamente para promover o seu site, suas atividades e, com isso, angariar mais clientes e obter um lucro maior.
 
No caso específico, poderia ser invocado o inciso II, do artigo 210 da LPI, pleiteando-se “os benefícios que foram auferidos pelo autor da violação do direito”, cujo quantum seria apurado em fase de liquidação de sentença.
 
Portanto, no que diz respeito à concorrência parasitária, a solução afigura-se bastante simples, eis que, caracterizados os lucros cessantes, os aludidos dispositivos legais servem como base para o pedido indenizatório.
 
 
b) Aproveitamento Parasitário
 
Questão interessante e desafiadora consiste em saber como se buscar a indenização pelos atos de aproveitamento parasitário.
 
Isso porque, na maioria dos casos, não há que se falar em perdas e danos, lucros cessantes, uma vez que os envolvidos não atuam no mesmo segmento, ou seja, não são concorrentes. Logo, seria difícil aceitar uma alegação de perda de ganho esperável ou de frustração da expectativa de lucro, ou ainda de diminuição potencial do patrimônio da vítima.
 
Nessa esteira, enfatiza CAIO MÁRIO que a “reparação da perda de uma chance repousa em uma probabilidade e uma certeza; que a chance seria realizada e que a vantagem perdida resultaria em prejuízo” (In, “Responsabilidade Civil”, 3ª ed., Forense, pág. 42)
 
Tomemos como exemplo um caso real: infratores inauguraram recentemente um bar temático em São Paulo denominado “MERCEDES CAFÉ”. A competente ação judicial com pedido de liminar já foi ajuizada e atualmente aguarda-se uma decisão do Juiz que preside a causa com relação à medida de urgência pleiteada.
 
Pois bem, qual seria a base legal para o pedido de indenização, considerando que a titular da marca MERCEDES não atua na área de bares e restaurantes e nem tem a intenção de atuar? O que a proprietária da marca deixou de ganhar?
 
Para aqueles que entendem que o simples uso indevido de marca gera o dever de indenizar, a questão poderia ser facilmente resolvida, com base no art. 209 da Lei de Propriedade Industrial, que não condiciona a reparação dos danos à prova de comercialização de produtos contrafeitos, bastando que exista ato de violação de direito de propriedade industrial tendentes à prejudicar a reputação ou os negócios alheios.
 
No entanto, a tese do simples uso ou da mera vulgarização da marca não é pacífica nos Tribunais Superiores, que em muitos casos sustentam que o autor não demonstrou os prejuízos sofridos; e que sendo o prejuízo fato constitutivo do direito do autor, este não pode ser meramente presumido.
 
Somente nos casos de falsificação e pirataria, com a colocação no mercado de produtos com marca de outro, é que o Superior Tribunal de Justiça vem admitindo a presunção do prejuízo, e consequentemente, o direito à indenização (RESP 466761/RJ).
 
Isso porque entende-se que o produto falsificado é quase sempre de baixa qualidade e às vezes até nocivo ao consumidor, o que pode causar danos irreparáveis à imagem e à reputação da marca consagrada, sem falar no desvio de clientela.
 
Evidentemente, tal entendimento não pode ser aplicado ao casos de aproveitamento parasitário. Primeiro, porque nessa modalidade não há desvio de clientela, e segundo, porque pode ocorrer que o produto ou serviço identificado com a marca afamada seja de ótima qualidade, não comprometendo, assim, o renome do titular da marca consagrada (o que pode se discutir é a possibilidade de diluição da marca).
 
Da mesma forma, não há que se falar em lucros cessantes, pois no caso em comento, como destacado, a titular da marca MERCEDES não deixou de ganhar nada e também não teve sua expectativa de lucro frustrada.
 
Logo, tecnicamente, não poderiam ser aplicados os já citados artigos 208 e 210 da Lei nº 9.279/96, que regulam “lucros cessantes”.
 
A solução, então, seria recorrer às regras de direito comum, mais precisamente a do artigo 884 do Código Civil de 2002, que estabelece que “aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.” Aqui, não se contempla danos emergentes ou lucros cessantes, e sim a restituição de um valor “indevidamente auferido”. 
 
Tal artigo trata do enriquecimento sem causa. Vale destacar que este artigo não tem correspondente no Código Civil de 1916, tendo sido uma louvável inserção, pois consolida na lei civil a matéria, não a deixando sujeita às interpretações da jurisprudência.
 
Na lição de Orlando Gomes, “há enriquecimento ilícito quando alguém, a expensas de outrem, obtém vantagem patrimonial sem causa, isto é, sem que a tal vantagem se funde em dispositivo de lei, ou em negócio jurídico anterior.” (In, Novo Código Civil Comentado, Ricardo Fiúza, 1ª edição, ed. Saraiva, pág. 786)
 
Com precisão assevera o professor Agostinho Alvim que “é inquestionável que a condenação de enriquecimento injustificado é princípio geral de direito, porque, com maior ou menor extensão, ela tem sido recomendada por todos os sistemas, no tempo e no espaço” (RT, 259/3 e seguintes)
 
São três os requisitos necessários para que se configure o enriquecimento sem causa:
 
a) um aumento patrimonial da pessoa obrigada a restituir, apurável segundo as circunstâncias do caso concreto. Não há dúvidas de que o Juiz deverá, utilizando-se da equidade, avaliar a extensão do locupletamento injusto e o grau de desequilíbrio patrimonial experimentado pelas partes, de forma a melhor decidir a questão. Para esse trabalho, o magistrado poderá contar com a ajuda de um ou mais peritos (art. 431 – B do CPC, com redação dada pela Lei nº 10.358/01), que definiriam, em cada concreto, qual foi o enriquecimento do lesante decorrente de seu ato ilícito.
b) obtenção de vantagem à custa de terceiro: o enriquecimento havido por uma das partes não necessariamente deve importar no empobrecimento da outra parte. A expressão “vantagem obtida à custa de outrem” deve ser interpretada da forma mais ampla possível, podendo ser aquela “obtida com meios ou instrumentos pertencentes a outrem” (In, “Das Obrigações em Geral”, João de Matos Antunes Varela, p.329, 1970). Isso porque, muitas vezes, o “enriquecimento experimentado por uma das partes não é causa material da diminuição econômica verificada no patrimônio da outra. Os que ambos têm em comum é a origem num mesmo fato.” (In, “Comentários ao Novo Código Civil”, Newton de Lucca, ed. Forense, pág. 108, 2003)
 
c) ausência de justa causa: isto é, sem um motivo abrigado pelo ordenamento jurídico, que justifique a aquisição, modificação ou extinção de um direito. O Direito não aprova o enriquecimento fora das hipóteses que contempla.
 
De uma forma mais ampla, pode-se dizer que o princípio do enriquecimento sem causa não tem como propósito, tecnicamente, compensar o dano causado ao lesado, mas antes evitar o enriquecimento indevido do lesante. Neste ponto, vale transcrever a lição do doutrinador José Eduardo da Rocha Frota:
 
Como o próprio nome diz, o que importa para a ação de enriquecimento sem causa é que seja restituído o indevidamente auferido, e isso se refere àquilo que for encontrado no patrimônio do devedor por altura da sentença condenatória, isto é, o que estiver justamente a mais no seu patrimônio, conseguido à custa do credor.” (In “Ação de Enriquecimento sem Causa”, Revista de Processo nº 36, pág. 43 a 78)
Por fim, nem se alegue o artigo 886 do Código Civil que estabelece que “não caberá restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir o prejuízo sofrido.
 
Ora, como visto, a tese do simples uso indevido de marca (gerando o dever de indenizar) não é pacífica nos Tribunais Superiores, o que torna duvidosa a incidência do art. 209 da Lei de Propriedade Industrial.
 
Por outro lado, levando em conta que em casos de aproveitamento parasitário não existem os lucros cessantes, não é possível a aplicação dos artigos 208 e 210 da LPI.
 
Portanto, no plano marcário, deve ser admitida a aplicação do artigo 884 do CPC, sob pena de um ato ilícito ficar totalmente desamparado pelo ordenamento jurídico.
 
O mesmo não se pode dizer para os atos de aproveitamento parasitário decorrentes da violação de direito autoral, na medida em que existe base legal consistente na Lei de Direitos Autorais para a reparação dos prejuízos porventura sofridos (artigos 102, 103 e 104).
 
 
 
IV – CONCLUSÃO
 
Como visto, sempre que uma pessoa se utilizar do prestígio, fama, renome, das criações e experiências de terceiro, obtidos e construídos com dispêndio de numerário e criatividade, para promover-se, sem nenhum risco, a custo daquele, ainda que não exista uma relação de concorrência ou ainda a intenção de prejudicar, estará caracterizado o aproveitamento parasitário.
 
Em todas essas situações, onde muitas vezes não existem danos emergentes ou lucros cessantes a serem ressarcidos, defende-se aqui a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, previsto no artigo 884 do Código Civil, como forma de penalizar o parasita pelo ato ilícito cometido, pois, como destacado, a finalidade precípua do princípio em cotejo não é eliminar o dano causado ao lesado, e sim evitar o enriquecimento indevido do lesante.
 
Criar obstáculos para a aplicação do artigo 884 do Código Civil, é mesmo que estimular o enriquecimento sem causa, pois especialmente nos casos em que não há uma base legal adequada e específica para amparar o pleito indenizatório, acabaria surgindo um vácuo legislativo, que, em tese, inviabilizaria o pedido de condenação do lesante ao ressarcimento de tudo aquilo que auferiu indevidamente.
 
A importância deste trabalho é justamente regar as sementes da tese da reparação por danos materiais com base no Código Civil, especialmente nos casos de aproveitamento parasitário no âmbito marcário, permitindo que se alcance a efetividade do pleito indenizatório, em determinadas situações onde o lesado não perdeu e também não se deixou de ganhar nada, mas sim teve seu fundo de comércio, renome e prestígio sugados e utilizados pelo parasita que, com isso, consegue auferir lucros e um melhor rendimento na condição de “vampiro”.

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Marcelo Mazzola

Socio, Advogado, Agente da Propriedade Industrial

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