Pedro Moreira
Socio, Farmaceutico, Agente da Propriedade Industrial
Socio, Farmaceutico, Agente da Propriedade Industrial
saiba +por Pedro Moreira
26 de setembro de 2023
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Brasil: Atualizações acerca do patenteamento de plantas transgênicas e eventos elite
No Brasil, os seres vivos naturais, no todo ou em parte, e o material biológico, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural, quando encontrados na natureza ou dela isolados, e os processos biológicos naturais nem sequer são considerados invenções; consistindo consequentemente em matéria não patenteável. Além disso, os seres vivos, no todo ou em parte, exceto os microrganismos transgênicos, que não são meras descobertas, não são patenteáveis no Brasil. Os referidos microrganismos transgênicos são considerados organismos, exceto o todo ou a parte de plantas ou animais, que apresentam, devido à intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica que normalmente não pode ser alcançada pela espécie em condições naturais. Essas proibições legais estão previstas de acordo com o disposto nos artigos 10 (IX) e 18 (III e Parágrafo Único) da atual Lei da Propriedade Industrial no. 9.279/1996.
Por outro lado, um aspecto positivo é que as concretizações relacionadas ou “invenções acessórias” como, por exemplo, moléculas de DNA, genoma, DNA genômico, suas composições e usos, métodos para a introgressão de traits, métodos para produzir, cultivar e/ou proteger plantas transgênicas, métodos para a detecção de traits e outros exemplos de invenções acessórias não têm proibições na Lei da Propriedade Industrial e são, assim, patenteáveis.
Portanto, embora as próprias plantas transgênicas e partes delas (por exemplo, células, sementes, folhas, mudas, frutos, raízes, etc.) sejam consideradas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI como não patenteáveis, as tecnologias relacionadas podem encontrar proteção patentária no Brasil. Embora a lei seja bastante clara a este respeito, as questões relacionadas com as plantas transgénicas são frequentemente um tema delicado quando falamos de proteção por patentes, especialmente no campo agrícola e, em última análise, nas indústrias alimentar, farmacêutica e cosmética.
Em 17 de março de 2022, o INPI emitiu um normativo específico, a Nota Técnica no. 01/2022, em relação ao exame de pedidos de patentes que reivindicam eventos de transformação de plantas, ou seja, eventos elite. Uma série de definições técnicas e delimitações de escopo foi estabelecida na referida Nota Técnica.
A referida norma consolidou a posição do INPI na análise de eventos elite, mas, devido à sua importância e impacto nas invenções relacionadas às plantas transgênicas, cerca de três meses depois, o INPI suspendeu a sua aplicabilidade e convocou uma consulta pública, para receber comentários e sugestões, visando melhorar e reforçar o seu conteúdo.
Como resultado da referida consulta pública, em 09 de maio de 2023, o INPI emitiu a Nota Técnica no. 01/2023, com efeito imediato para todos os pedidos de patente pendentes, inclusive aqueles em fase de recurso. Em poucas palavras, a nova regra determina principalmente que:
1. Consideram-se eventos elite aqueles que representam eventos de modificação de plantas (i) através da inserção de um DNA exógeno, (ii) com a utilização de ferramentas de biologia molecular como, por exemplo, um construto genético, (iii) a referida inserção sendo realizada de uma forma estável e ocorrendo em um local específico no genoma da planta, que é determinado explicitamente através da divulgação das sequências polinucleotídicas que flanqueiam o inserto, (iv) proporcionando à planta um efeito técnico superior quando comparado a outros eventos de transformação, mas não sendo resultado de um seleção arbitrária.
2. O termo “isolado” costumava ser necessário para distinguir as próprias plantas transgênicas das invenções relacionadas com plantas transgênicas em termos de escopo, mas não é mais aconselhável.
3. Os materiais biológicos podem ser considerados como invenções, sendo portanto patenteáveis, desde que sejam diferentes daqueles encontrados na natureza ou dela isolados. Além disso, os materiais biológicos como, por exemplo, moléculas de DNA e genomas, devem ser caracterizados pelas suas SEQ ID NO. correspondentes, que devem estar relacionadas à sequência de junção do inserto/genoma, bem como pela afirmação de que estão inseridos em uma planta ou em qualquer parte dela, deixando claro, assim, que não conferem proteção à planta per se. Tal inserção é uma mera característica adicional, uma vez que a SEQ ID NO. é o que caracteriza as moléculas/genoma.
4. O artigo 24 da Lei da Propriedade Industrial já prevê os critérios de suficiência descritiva (enablement) e, no caso de material biológico essencial para a execução prática da invenção reivindicada, que não possa ser descrito na forma do referido artigo e que não esteja acessível ao público, o pedido de patente deverá ser complementado com o depósito do material em instituição autorizada pelo INPI ou indicada em acordo internacional. A nova Nota Técnica esclarece ainda que o depósito do material biológico é necessário para permitir sua reprodutibilidade quando a invenção reivindicada tiver sido obtida por processo, cuja reprodução envolveu aleatoriedade, até o depósito do pedido de patente. Por outro lado, o referido depósito não é necessário quando a invenção reivindicada é reprodutível a partir da sua sequência inicialmente apresentada no pedido. Matéria nova não é permitida no Brasil. Embora o Brasil não possua Centro Depositário nem seja membro do Tratado de Budapeste, o INPI costuma aceitar certificados de depósito da ATCC – American Type Culture Collection, DSMZ – German Collection of Microorganisms and Cell Cultures e outras Autoridades Depositárias Internacionais.
Exemplos de concretizações suscetíveis à proteção patentária:
. Moléculas de DNA, genoma e DNA genômico;
. Materiais biológicos, se diferentes daqueles de ocorrência natural;
. Par de moléculas de DNA (primers);
. Métodos de controle de ervas daninhas em um campo de plantas transgênicas resistentes a herbicidas inventivas;
. Usos de plantas transgênicas inventivas que expressam uma proteína inseticida no controle de pragas de insetos;
. Métodos de detecção de plantas compreendendo eventos inventivos;
. Métodos de cruzamento de pelo menos uma planta transgênica inventiva.
Exemplos de linguagens de reivindicação relacionadas a concretizações suscetíveis à proteção patentária:
. molécula de DNA, caracterizada por compreender a SEQ ID NO.: X (desde que a referida SEQ ID NO. se refira à sequência de junção inserto/genoma);
. genoma vegetal, caracterizado por compreender SEQ ID NO.: X (desde que a referida SEQ ID NO. se refira à sequência de junção inserto/genoma);
. molécula de DNA, caracterizada por compreender a SEQ ID NO.: X (desde que a referida SEQ ID NO: se refira à sequência de junção inserto/genoma) e por ser inserida no genoma/cromossomo de uma planta ou partes dela (por exemplo, sementes, células, etc.; tal inserção é considerada uma mera característica adicional, uma vez que a SEQ ID NO. é o que caracteriza a molécula);
. genoma, caracterizado por compreender SEQ ID NO.: X (desde que a referida SEQ ID NO. se refira à sequência de junção inserto/genoma) e por ser inserido em uma planta ou partes dela (por exemplo, sementes, células, etc.; tal inserção é considerada uma mera característica adicional, uma vez que a SEQ ID NO. é o que caracteriza o genoma).
Vale destacar que a nova Nota Técnica do INPI traz uma orientação mais clara e muito importante sobre o escopo das “partes” não patenteáveis dos seres vivos, ao permitir a elegibilidade de patenteabilidade dos materiais biológicos nelas contidos. Por exemplo, estas novas regras oficiais não levantam quaisquer dúvidas quanto à utilização não autorizada de sementes de plantas contendo uma molécula de DNA patenteada constituir uma violação dos direitos conferidos na patente.
Até o momento, a Nota Técnica no. 01/2023 foi recebida positivamente pelos profissionais e usuários de patentes, pois deixa clara e harmoniza a posição do INPI sobre esse assunto específico, reduzindo assim dúvidas e melhorando o sistema de patentes brasileiro. Espera-se que haja mais segurança jurídica e um trâmite mais simples de pedidos de patente que reivindiquem invenções relacionadas com plantas transgênicas.