por Marcelo Mazzola
08 de janeiro de 2016
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Por Marcelo Mazzola
O novo Código de Processo Civil ainda nem entrou vigor e já foi alterado. Recentemente, o Congresso Nacional aprovou o PLC nº 168/15, cujo texto seguirá em breve para sanção presidencial.
Dentre as alterações mais relevantes, está o restabelecimento da necessidade do juízo de admissibilidade de recursos especial/extraordinário pelos tribunais locais, e a ausência de obrigatoriedade de os processos serem decididos em ordem cronológica, como constava da redação original. Em relação a esse último ponto, o que era uma determinação para os Juízes ("deverão obedecer"), virou uma mera recomendação ("atenderão preferencialmente").
Por outro lado, apesar das críticas de algumas associações de magistrados[1], o artigo 489 do NCPC, que trata dos elementos essenciais da sentença e do dever de fundamentação das decisões judiciais, não foi alterado.
Uma boa notícia. Sim, porque o texto do novo diploma legal estabelece uma espécie de script a ser seguido pelos juízes no momento de fundamentação da decisão judicial, seja ela interlocutória ou não. Uma tentativa do legislador infraconstitucional de destrinchar o princípio constitucional insculpido no artigo 93, X, da Carta Magna[2].
Como se sabe, a fundamentação da decisão deve refletir os motivos que justificam, juridicamente, a conclusão[3]. Afinal, uma decisão sem fundamentação é como um corpo sem coração.
A partir de agora – embora isso já devesse ser a regra –, caso os magistrados não queiram ver suas decisões anuladas por falta de fundamentação, deverão observar o roteiro delineado no art. 489, § 1º e seus incisos, do NCPC.
Assim, não será considerada fundamentada a decisão judicial que a) se limitar a indicar determinado artigo de lei sem fazer a correlação com o caso concreto; b) empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo de sua incidência no caso; c) invocar motivos que serviriam para embasar qualquer outra decisão; d) não enfrentar os argumentos deduzidos no processo capazes de infirmar a conclusão adotada pelo julgador; e) se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem demonstrar sua pertinência à hipótese em discussão; e f) deixar de seguir enunciado de súmula ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso concreto ou superação do entendimento.
Com isso, estão com os dias contados as decisões lacônicas ("Diante da presença dos elementos autorizadores da medida, defiro) ou embasadas em conceitos jurídicos vagos ("Em nome da ordem pública e da dignidade da pessoa humana, defiro a tutela"), e também aquelas claramente padronizadas que serviriam para qualquer ação, sem enfrentamento das peculiaridades do caso concreto.
Ao mesmo tempo, prestigia-se o princípio do contraditório, evitando-se que decisões sejam proferidas sem levar em consideração os argumentos das partes, bem como os precedentes jurisprudenciais, seja para aplicá-los ou não.
A sistemática é interessante e pode impedir decisões superficiais, especialmente em ações de infração e de nulidade de marca, em que a magnitude econômica da discussão, a complexidade do tema e as consequências de eventual ordem de abstenção de uso ou de cancelamento de um registro marcário exigem prudência e uma fundamentação com maior densidade por parte dos julgadores. Até porque, muitas vezes o maior ativo de uma empresa é a sua própria marca.
Em demandas dessa natureza, algumas ferramentas podem auxiliar os juízes na fundamentação da respectiva decisão, minimizando a possibilidade de sua posterior anulação, por suposta inobservância a uma das hipóteses do artigo 489, § 1º, do NCPC.
Uma dessas ferramentas é o Manual de Marcas do Instituto Nacional de Propriedade Industrial[4], que estabelece, dentre outras coisas, as diretrizes para a análise de registrabilidade do sinal marcário. Por se tratar de um documento expedido pela própria Autarquia responsável pela concessão de registros marcários, suas disposições, se aplicáveis, podem ser incorporadas na fundamentação das decisões judiciais.
Outra ferramenta valiosa é a metodologia proposta por GAMA CERQUEIRA, já na década de 1980[5], que sistematizou as diretrizes para análise da possibilidade de confusão de marcas.
Também vale mencionar a parametrização utilizada nos EUA – conhecida como Polaroid Factors[6] –, que traz conceitos interessantes e bastante atuais.
Por fim, merece destaque o Teste 360º de Confusão de Marcas[7], cuja aplicabilidade já foi reconhecida pelo STJ (AgRg no REsp nº 1.346.089/RJ), que estabelece 7 (sete) critérios a serem observados no momento de avaliação da possibilidade de confusão entre dois signos distintivos.
Em suma, esperamos que as inovações do NCPC ajudem a melhorar a qualidade das decisões judiciais, sobretudo em ações de infração e de nulidade de registro de marca, o que, de um lado, pode desestimular a interposição de recursos desnecessários e, de outro, permitirá maior controle das decisões judiciais pelas partes interessadas.
[1] Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra);
[2] todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (…);
[3] CAMARA, Alexandre: O Novo Processo Civil Brasileiro, Editora Atlas, 2015, pág. 274
[4] https://manualdemarcas.inpi.gov.br/projects/manual/wiki/Manual_de_Marcas
[5] "A possibilidade de confusão deve ser apreciada pela impressão de conjunto deixada pelas marcas, quando examinadas sucessivamente, sem apurar as suas diferenças, levando-se em conta não só o grau de atenção do consumidor comum e as circunstâncias em que normalmente se adquire o produto, como também a sua natureza e o meio em que o seu consumo é habitual", in Tratado da Propriedade Industrial, 2ªEd., SP, Revista dos Tribunais, vo.2, pág.919
[6] Polaroid Corp. v. Polarad Electronics Corp, 287 F. 2d 492 (2nd Cir.).
[7] Revista da EMERJ, nº 69, junho/julho/agosto de 2015, págs. 129/155