por Marcelo Mazzola
28 de março de 2017
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Na tentativa de racionalizar a entrega da prestação jurisdicional, o Código de Processo Civil (CPC/15) estimula os meios autocompositivos de resolução de conflitos, especialmente a conciliação e a mediação (artigo 3º, §§ 2º e 3º), valorizando a autonomia da vontade e o maior “empoderamento”[1] das partes.
Dentro da sistemática delineada pelo legislador, preenchidos os requisitos do artigo 334, caput, do CPC/15 combinado com artigo 27 da Lei de Mediação, a designação da audiência de mediação/conciliação será a regra, observadas apenas as exceções previstas na Lei de Ritos (artigo 334, § 4º, I e II)[2], que devem ser interpretadas em harmonia com o artigo 3º da lei especial.
Caso seja designada a audiência de conciliação/mediação, o prazo da contestação só começará a fluir a partir do dia seguinte da última audiência frustrada (artigo 335, I, CPC/15). Lamentavelmente, tal previsão normativa — interessante para evitar atos processuais desnecessários — vem sendo utilizada como subterfúgio para abusos e deslealdades processuais.
Explica-se: como a audiência de mediação só não será realizada se ambas as partes manifestarem desinteresse, alguns réus vêm adotando a prática de informar, por petição, o interesse no ato processual, ou simplesmente se omitir, mesmo já sabendo de antemão que não têm qualquer interesse na composição consensual. Fazem isso, de forma velada, para postergar o início do prazo da contestação.
Não raro, notamos, nas audiências de mediação, que a parte ré comparece e permanece calada, não demonstrando o menor interesse em cooperar e evoluir na busca da construção do consenso. Certa feita, o advogado de um dos réus disse que estava ali somente para “ouvir” a parte autora, que, pasmem, já havia declinado expressamente nos autos seu desinteresse pela audiência de mediação, em razão das tentativas extrajudiciais frustradas.
Surgem então as seguintes indagações: nessas hipóteses de total leniência do réu e de falta de compromisso com a prestação jurisdicional, é possível a sua condenação por litigância de má-fé? Quais são os limites da confidencialidade da mediação? Como comprovar, perante o juiz, a postura desidiosa e anticooperativa do demandado?
Pois bem, como se sabe, o microssistema[3] da mediação é formado por inúmeros princípios.[4] Um dos mais importantes é o da confidencialidade. Com efeito, o sigilo e a confidencialidade são cânones fundamentais e compõem a medula do procedimento.
Isso porque, sem a confidencialidade, a mediação provavelmente não alcançaria todo o seu potencial e impediria a maximização dos resultados. De fato, os mediandos não se sentiriam tão à vontade para um diálogo aberto[5] e para revelarem preocupações, incertezas, desconfortos e, principalmente, seus interesses. A confidencialidade é uma espécie de antídoto contra o medo — justificável — de que algo revelado na mediação possa ser usado desfavoravelmente em eventual ação judicial.
Não é à toa que a Resolução 125/10 do CNJ (artigo 1º), o CPC/15 (artigo 166) e a Lei de Mediação (artigos 2º, VII, 14 e 30), além de outros importantes diplomas internacionais[6], consagram a importância da confidencialidade. Justamente em razão do dever de confidencialidade, o mediador não poderá depor como testemunha em processos judiciais envolvendo o conflito em que tenha atuado (artigo 7º da Lei 13.140/15 combinado com 448, II, do CPC/15).
Vale lembrar também que todos aqueles que participam da mediação — membros da equipe do mediador, partes, prepostos, advogados (artigos 166, § 2º do CPC/15 combinado com 30, § 1º, da Lei de Mediação) – devem observar o dever de confidencialidade.
Quanto ao conteúdo protegido pela confidencialidade, estão abrangidas as declarações, opiniões, promessas, manifestações sobre as propostas de acordo, bem como os documentos preparados unicamente para o procedimento em questão e os fatos reconhecidos por uma ou ambas as partes (artigo 30, § 1º, I a IV, da Lei de Mediação), além de todas as informações apresentadas no curso da mediação (artigo 166, § 1º, do CPC/15).
Porém, a confidencialidade na mediação não é absoluta. As informações ali veiculadas podem ser utilizadas a) com expressa autorização dos mediandos, não podendo o respectivo teor “ser utilizado para fim diverso daquele previsto” (artigo 166, § 1º, do CPC/15); b) nos casos em que a lei exija a sua divulgação ou seja necessária para cumprimento de acordo obtido pela mediação (artigo 30, caput, da Lei 13.140/15); e c) quando estiverem relacionadas com a ocorrência de crime de ação pública (artigo 30, §3º, da Lei de Mediação).
Cumpre observar, ainda, que a regra de confidencialidade não afasta o dever dos envolvidos de prestarem informações à administração tributária após o termo final da mediação, aplicando-se aos servidores públicos a obrigação de manterem sigilo das informações compartilhadas, nos termos do artigo 198 do Código Tributário Nacional.
Importante destacar que, além de não ser absoluta, a noção de confidencialidade deve ser interpretada à luz de uma lógica sistêmica. O dever de sigilo não pode, em hipótese alguma, servir de escudo para comportamentos abusivos e protelatórios, em flagrante violação aos princípios da boa-fé e da cooperação (artigos 5º e 6º do CPC/15), desestimulando e infantilizando a mediação, sobretudo nesse momento de sedimentação do CPC/15.
Nesse compasso, entendemos que o réu que sinaliza seu interesse na audiência de mediação, ou mesmo se mantém inerte diante da designação do ato — quando o autor já manifestou desinteresse[7] —, mas, na audiência, não apresenta qualquer proposta de acordo ou, ao menos, um direcionamento possível para a construção do consenso, litiga de má-fé e deve ser condenado às penalidades legais (artigo 81 do CPC/15).[8]
Pelo menos duas condutas previstas na Lei de Ritos podem ser invocadas: oferecimento de resistência injustificada ao andamento do processo e atuação temerária em qualquer incidente ou ato do processo (artigo 80, IV e V). Sim, porque, nessas hipóteses, a realização da audiência de mediação terá, na prática, alongado desnecessariamente o processamento do feito[9], violando a duração razoável do processo (artigos 5º, LXXVIII, da CF e 4º, 6º e 139, II, do CPC/15).
Mas, como comprovar essa postura do réu? A questão não é simples, reconhecemos, mas alguns mecanismos podem ajudar. De plano, é importante que o mediador, no início da primeira sessão (artigo 14, § 1º, da Lei 13.140/15), alerte as partes sobre as regras de confidencialidade e os limites do sigilo, deixando claro que, na condição de auxiliar da Justiça, pode ser instado pelo juiz a reportar eventual conduta protelatória e comportamento descompromissado com o espírito da mediação.
É óbvio que a ausência de composição amigável, por si só, não tem o condão de materializar um ato procrastinatório e tampouco significa que uma das partes não tenha colaborado. Na verdade, o que se repudia é aquela completa inação do réu, que revela uma conduta premeditada e maliciosa, com a finalidade de ganhar mais tempo para preparar a sua defesa.
Nessa hipótese, a parte contrária pode (e deve) relatar os fatos ao juiz, requerendo a condenação do “pseudomediando” por litigância de má-fé. Com base no contraditório participativo (artigos 9º e 10 do CPC/15) e à luz de seu dever de cooperação (artigo 6º), o magistrado deve intimar o réu para se manifestar a respeito, podendo, inclusive, oficiar o mediador que atuou na audiência frustrada para atestar, única e exclusivamente, a leniência e a total falta de colaboração do demandado, respeitando, no mais, os limites do sigilo e da confidencialidade.
Em resumo, dentro da perspectiva de uma “jurisdição multifacetada”[10], em que a mediação tem status de equivalente jurisdicional, não se pode permitir que a audiência de mediação se transforme em “mecanismo de procrastinação”[11] e odioso álibi para comportamentos desleais, ímprobos e anticooperativos, sob pena de ferir a lógica do sistema e a própria mens legis do CPC/15.
[1] Termo utilizado na Resolução nº 125/10 do Conselho Nacional de Justiça.
[2] Nas ações de família (art. 695) e nos litígios coletivos de posse velha de imóvel (art. 565), a designação da audiência de mediação é obrigatória.
[3] Resolução nº 125/10 do CNJ, CPC/15 e Lei nº 13.140/15.
[4] Imparcialidade, autonomia da vontade, independência, imparcialidade, oralidade, informalidade, decisão informada, busca do consenso, isonomia entre as partes, boa-fé, competência, além do respeito à ordem pública e às leis vigentes, empoderamento e validação. Além dos referidos princípios, poderíamos citar muitos outros, “como os princípios da igualdade (tratamento simétrico dos mediandos); da diligência (cuidado e prudência para garantir a qualidade e credibilidade da atividade); da transparência (agir de modo claro e idôneo); do respeito (agir com sensibilidade, cooperação, acolhimento, bom senso, respeitando o protagonismo dos mediandos)”. MAZZOLA, Marcelo. Mediação e Direito Intertemporal: duas leis em vacância e um convite à compatibilização. Revista de Arbitragem e Mediação – Rarb. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 46, jul./set. 2015, p. 219.
[5] PEIXOTO, Ravi. Sobre o princípio da confidencialidade na mediação e na conciliação. Disponível em https://portalprocessual.com/sobre-o-principio-da-confidencialidade-na-mediacao-e-na-conciliacao/. Acesso em 10.03.2017.
[6] Por exemplo, a Diretiva nº 2008/52/CE do Parlamento Europeu. Vide especificamente “considerandos” 16, 23 e art. 7º. Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?qid=1413476241392&uri=CELEX:32008L0052. Acesso em 11. 03.2017.
[7] Ao invés de apresentar petição também informando seu desinteresse até 10 (dez) dias antes da audiência, conforme art. 334, § 5º, do CPC/15. Reconhecemos, contudo, que a conduta omissiva não é tão acintosa quanto à comissiva, mas, sem dúvida, flerta com a litigância de má-fé.
[8] Situação diferente é a do réu que foi “obrigado” a comparecer à audiência de mediação em razão do interesse do autor.
[9] Sobre o tema, vale conferir RODRIGUES, Daniel Conalgo. Sobre a audiência de mediação ou conciliação no novo CPC: questões ainda não resolvidas. Disponível em https://justificando.cartacapital.com.br/2016/03/09/sobre-a-audiencia-de-conciliacao-ou-mediacao-no-novo-cpc-questoes-ainda-nao-resolvidas/. Acesso em 14. 03.2017.
[10] PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Expressão utilizada nas aulas de Mestrado da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
[11] MELLO PORTO, José Roberto Sotero. Mediação prevista pelo novo CPC não pode se tornar mecanismo de procrastinação. Disponível em https://www.conjur.com.br/2016-set-27/tribuna-defensoria-mediacao-prevista-cpc-nao-tornar-mecanismo-procrastinacao. Acesso em 13.03.2017. No mesmo sentido, Aluisio Mendes e Guilherme Hartmann quando falam em “escudo defensivo procrastionatório”. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; HARTMANN, Guilherme Kronemberg. A audiência de conciliação ou de mediação no Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo: Revista dos Tribunais, nº 253, mar./2016, p. 177.