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A cláusula opt out de mediação à luz do novo CPC

por Marcelo Mazzola

01 de outubro de 2015

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Por Marcelo Mazzola, sócio de Dannemann Siemsen e mediador na CMED-ABPI


Tema instigante e que vem gerando debates no meio acadêmico gira em torno da validade da cláusula opt out de mediação, pela qual os contratantes acordam desde logo que, na hipótese de eventual ação judicial decorrente de controvérsia ou descumprimento do contrato, não têm interesse na realização de audiência de mediação.

Essa cláusula de opt out, também conhecida como cláusula de retirada ou autoexclusão, tem inspiração nas class actions dos Estados Unidos, nas quais os representados têm right to opt out, isto é, o direito de se retirar da demanda coletiva ou de não se beneficiar dela.

Ao que parece, essa cláusula revela eventual preocupação dos contratantes em otimizar o tempo na esfera judicial, evitando atos processuais que, na visão deles, seriam desnecessários.

Como sabemos, a partir de março de 2016, se a petição inicial estiver em ordem e não for o caso de improcedência liminar do pedido (art. 334), o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.

A audiência só não será realizada se o conflito não admitir autocomposição ou se ambas as partes manifestarem expressamente desinteresse na composição consensual[1]. Nos demais casos a audiência de mediação ou de conciliação será obrigatória.

Sob esse prisma, indaga-se: seria então válida a cláusula opt out de mediação, inserida em contrato assinado pelas partes antes da própria existência da ação judicial? Entendemos que sim, desde que preenchidos os requisitos legais[2], mas ousamos dizer que, na prática, terá eficácia limitada e pode até atrasar o procedimento, ao invés de agilizá-lo.

Inicialmente, vale registrar que o novo CPC não aborda expressamente a possibilidade de as partes pactuarem esse opt out.

Da mesma forma, a Lei nº 13.140/15 (Lei da Mediação) não prevê tal possibilidade. Pelo contrário, alguns de seus dispositivos[3] deixam claro que as partes podem inserir cláusulas contratuais prevendo expressamente a mediação extrajudicial, a qual deve ser respeitada pelo árbitro ou pelo magistrado, caso um dos contratantes ignore a disposição e inicie procedimento arbitral ou judicial sem a mediação prévia.

Neste sentido, considerando que as partes podem prever a cláusula de mediação, que inclusive deve ser respeitada pelo juiz e pelo árbitro, não vejo óbice para que ajustem uma cláusula opt out, abrindo mão do método de autocomposição, na hipótese de ação judicial decorrente do contrato. Até porque, um dos princípios sagrados da mediação é a voluntariedade.

Além disso, tal disposição contratual pode ser considerada um negócio jurídico processual. A propósito, o artigo 190 do novo CPC estabelece que, versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Ora, se as partes podem dispor contratualmente sobre o procedimento da ação, a distribuição dinâmica do ônus da prova, as faculdades e os deveres processuais, elegendo até mesmo um profissional de confiança para eventual prova técnica, parece óbvio que também podem indicar desde logo seu desinteresse na realização de audiência de mediação.

Porém, apesar de válida, arriscamos dizer que, na prática, essa cláusula não será observada e aplicada automaticamente pelos juízes.

Primeiro, porque o right to opt out da mediação caminha em rota de colisão frontal com as normas fundamentais do processo civil (art. 3º, § 2º e § 3º, do CPC), que, em boa hora, obriga o Estado e todos os agentes do processo a promoverem e estimularem a solução consensual dos conflitos, especialmente através da mediação e da conciliação.

Segundo, porque é obrigação do Juiz promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais (art. 139, V).

Terceiro, porque os princípios da autonomia da vontade, do consensualismo e do Pacta Sunt Servanda não são absolutos e podem ser relativizados em algumas situações.

Quarto, porque durante o lapso temporal entre a data de assinatura do contrato e o ajuizamento da ação, as partes e seus advogados, que não são necessariamente os mesmos da época da celebração do instrumento, podem ter reavaliado o assunto e mudado de opinião.

Quinto, porque a designação da audiência de mediação pelo Juiz, mesmo que contrariamente à cláusula ajustada pelas partes, não trará qualquer prejuízo significativo para os litigantes, pois, como dito, basta o autor manifestar seu desinteresse na exordial e o réu através de petição – até 10 dias antes da data da audiência – para que o ato não seja realizado.

Sexto, e último, porque, mesmo se tratando de um negócio jurídico processual, o juiz pode, “de ofício ou a requerimento”, controlar a validade das convenções previstas, recusando-lhes aplicação nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade (art. 190, § único).

Assim, se o Juiz tiver qualquer dúvida sobre a abusividade da disposição contratual, terá que intimar o réu para se manifestar a respeito (art. 10), o que pode, inclusive, atrasar o procedimento inicial ao invés de agilizá-lo.

Dessa forma, ousamos afirmar que essa cláusula de opt out de mediação, uma espécie de cartão vermelho preliminar ao consenso, não terá aplicação automática no âmbito do Poder Judiciário.

 

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Marcelo Mazzola

Socio, Advogado, Agente da Propriedade Industrial

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