Nathalia Ribeiro
Advogada Dannemann Siemsen
Nathalia e advogada, graduada em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
saiba +por Marcelo Mazzola e Nathalia Ribeiro
24 de março de 2019
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Na terça-feira (19/3), a 3ª Turma do STJ, por unanimidade de votos, deu provimento a um recurso especial do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) para cassar acórdão do TRF-2 que declarara sua ilegitimidade para apelar contra a sentença de primeiro grau (que havia extinguido a reconvenção oferecida pelo outro réu da ação).
Na origem, trata-se de ação de nulidade contra o ato administrativo do Inpi que anulou marca de titularidade da autora. No polo passivo, figuram a empresa titular do registro de marca apontado como óbice impeditivo à concessão do registro da autora e o Inpi, órgão prolator da decisão impugnada.
Regularmente citados, os réus ofereceram contestação, sendo que a corré também ofereceu reconvenção, requerendo a nulidade de marcas análogas de titularidade da autora.
A sentença de primeiro grau julgou improcedentes os pedidos autorais e extinguiu a reconvenção. Contra a sentença apenas o Inpi apelou, pleiteando a procedência dos pedidos reconvencionais formulados pela corré.
Todavia, o recurso do Inpi não foi conhecido pelo o TRF-2, sob o fundamento que o ente público “é réu na demanda principal, não podendo, em consequência, sê-lo também na demanda reconvencional. Igualmente, como a autarquia marcária não ofereceu reconvenção contra a ora 1ª apelada, também não pode figurar como autora naquela demanda”.
Inconformado, o Inpi manejou recurso especial, que foi inadmitido pelo tribunal de origem, ensejando a interposição de agravo em recurso especial, que foi posteriormente provido para determinar a sua conversão em recurso especial.
A discussão é realmente interessante e envolve a posição processual do Inpi em ações de nulidade. O tema é polêmico e existem diversas posições doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema.
Em trabalho anterior[1], tivemos a oportunidade de dialogar com cada uma das correntes, sustentando, ao final, que o Inpi é um litisconsorte dinâmico.
Pois bem, no julgamento realizado recentemente, o STJ confirmou que o Inpi é um litisconsorte especial — citando expressamente o referido estudo acadêmico —, e reconheceu o “dinamismo da intervenção do INPI” nas ações de nulidade, em razão da “mobilidade da atuação do Estado, que já é realidade expressa no microssistema processual coletivo e impõe o redesenho e a adaptação das regras processuais gerais”.
De acordo com o STJ, “mesmo que o ente estatal não fosse parte na demanda originária, seria impositiva sua participação, podendo, após sua integração no polo passivo da demanda, reposicionar-se em qualquer um dos polos da reconvenção”.
Com efeito, nas ações de nulidade, o Inpi não é citado para defender interesse próprio, e sim convocado para integrar a relação processual (artigo 238 do CPC/15)[2], com impessoalidade[3] e imparcialidade. Sua intervenção tem como pressuposto a proteção do interesse público.
De fato, diferentemente das partes que possuem interesses econômicos nas ações de nulidade, o Inpi atua com os olhos voltados para o interesse público, com foco na livre concorrência e no desenvolvimento nacional.
Nesse contexto, embora o retrato inicial do Inpi seja de litisconsorte passivo necessário[4] (quando, evidentemente, não for autor) — tal como acontece com os entes públicos na ação popular e na ação de improbidade administrativa (artigos 6º, parágrafo 3º, da Lei 4.717/65 e 17, parágrafo 3º, da Lei 8.429/92, respectivamente) —, isso não significa que seja citado para defender interesse material próprio. Deve, sim, ser convocado para intervir no feito, na forma dos artigos 57, 118 e 175 da Lei de Propriedade Industrial.
Nesse compasso, uma vez convocado, poderá o Inpi, após examinar os fundamentos do pedido autoral e os demais elementos acostados aos autos[5], adotar algumas dessas condutas: manter o seu entendimento esposado na esfera administrativa, adotando uma postura — aí sim — de resistência à pretensão autoral, juntamente com o titular do direito; rever[6] o posicionamento adotado no processo administrativo, aderindo à tese autoral[7], com a migração para o polo ativo da demanda (litisconsorte dinâmico); e/ou defender a procedência parcial dos pedidos, concordando parcialmente com ambas as partes.
Ou seja, a atuação do Inpi, a rigor, é dinâmica, pois não tem relação direta com o polo que ocupa inicialmente. Tanto pode “permanecer” como réu, juntamente com o titular do direito, quanto aderir à tese do autor, migrando de polo, sempre buscando a preservação do interesse público, ou, ainda, opinar pela procedência parcial da demanda.
Nesse contexto, acertou o STJ ao reconhecer a legitimidade do Inpi para apelar contra a sentença que havia extinguido a reconvenção da corré, diante de sua participação sui generis nas ações de nulidade.
Por fim, e não menos importante, a decisão prestigia o posicionamento do próprio STJ, garantindo a integridade, coerência e estabilidade das decisões emanadas pela corte infraconstitucional (artigo 926 do CPC), o que é fundamental para o sistema de precedentes do CPC/2015.
[1] MAZZOLA, Marcelo; RIBEIRO, Nathalia. Ressignificação da posição processual do INPI nas ações de nulidade: um litisconsórcio dinâmico: necessidade de afetação do tema pelo STJ. Revista da ABPI, nº 153, p. 31-41, mar-abr, 2018.
[2] Ou seja, a mera citação não define a respectiva posição processual e tampouco se trata de um ato convocatório para o ente público necessariamente se defender.
[3] Assim como ocorre na esfera administrativa (concessão do registro), a atuação do Inpi no Poder Judiciário também deve observar o princípio da impessoalidade, que, como se sabe, é de aplicação obrigatória para os entes da administração pública direta e indireta (artigo 37, caput, da Constituição Federal).
[4] “(…) nas ações de nulidade de patente ou de registro de marca, o INPI, quando não for autor, há de integrar o feito na qualidade de litisconsorte passivo. O direito em discussão nessas ações, de a empresa ré ser titular de um privilégio tutelado por patente ou de registro de marca, e, portanto, deles usufruir com exclusividade, decorre de ato praticado pela referida autarquia federal. A ação, pois, engloba tanto os direitos patrimoniais do registro de marca ou de patente, quanto o ato administrativo que o concedeu” (IDS – Instituto Dannemann Siemsen de Estudos de Propriedade Intelectual. Comentários à Lei da Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 340).
[5] Muitas vezes o Inpi concede um registro ou patente sem ter conhecimento de situações específicas (por exemplo, quando concede um registro de marca sem ter ciência de eventual má-fé do depositante, que vem a ser atacado por ação de nulidade, com fundamento no artigo 6º bis (3) da Convenção da União de Paris; ou quando a exploração anterior de tecnologia obstaria a concessão da patente). Pense-se, ainda, na hipótese em que o depositante do pedido de registro falsifica documentos, obtendo o registro posteriormente. Nesse caso, parece intuitivo que o Inpi também não pode ser considerado efetivamente “réu”, apesar de integrar a relação processual.
[6] Em razão dos limites deste artigo, não abordaremos a controvérsia em torno da legitimidade na seara administrativa para autorizar a migração dinâmica, isto é, se tal autorização caberia ao presidente da autarquia, ao procurador-chefe ou aos examinadores.
[7] “Nada impede, é certo, que, uma vez em juízo, o INPI venha a rever seu entendimento, reconhecendo a procedência do pedido do autor” (IDS – Instituto Dannemann Siemsen de Estudos de Propriedade Intelectual. Comentários à Lei da Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 340).