por Fabio Amorim da Rocha
18 de junho de 2014
compartilhe
Por Fábio Amorim da Rocha
Em 2007, o Tribunal de Contas da União (TCU – Relatório de Auditoria TC – 025.619/2007-2) constatou que as distribuidoras e o Estado deixaram de arrecadar aproximadamente R$ 5 bilhões naquele ano, em razão da energia elétrica consumida e não faturada, valor quase duplicado se considerados os tributos e encargos setoriais não arrecadados.
Passados 19 anos desde a primeira privatização ocorrida no setor, o que faz com que os impactos com perdas comerciais ("gator") estejam em patamares inaceitáveis? Hoje, por exemplo, estados como o Rio de Janeiro estão na vanguarda da tecnologia nacional no combate a estas irregularidades.
Será a total falta de consciência de nossa sociedade de que estamos diante de um crime previsto no artigo 155 do Código Penal? Que o honesto paga pelo desonesto? Que a tarifa acaba sendo majorada?
Para justificar estes ilícitos nos deparamos com opiniões de que a tarifa que pagamos é cara, que algumas empresas são controladas por acionistas estrangeiros e que estas são poderosas e que, portanto, não há mal algum em se fazer um "gato".
Esquecem que hoje estas perdas causam um prejuízo superior a R$ 10 bilhões/ano (quase o dobro de 2007) ao país. Honestos e adimplentes, indiretamente, pagam por estes desvio de conduta e crime.
Enquanto no mundo as perdas comerciais atingem percentuais próximos a 9% da energia consumida, em nosso país estamos próximos de 17%. Em uma lista de 38 nações, o Brasil é o oitavo que mais deixa de arrecadar em razão desse ilícito penal.
Pensando em redução de tarifas, é relevante que a sociedade saiba que a extinção destas perdas reduziria a tarifa brasileira em 5%. Apenas no nosso estado, onde o problema é histórico e se agrava, este percentual subiria para expressivos 17 %, só na área de concessão da Light, uma das distribuidoras.
Ora, se o Rio de Janeiro com suas distribuidoras detêm o que há de mais moderno em tecnologia no combate ás perdas, o que estaria acontecendo? A resposta, dentre outros fatores, é no sentido de que: (i) é uma questão cultural; (ii) "gatos" são feitos para todos, ricos e/ou pobres; (iii) existe uma "indústria de irregularidade" que cooptou eletricistas, advogados e clientes inescrupulosos, fomentando o ingresso de milhares de ações no Judiciário.
Dados levantados pelas distribuidoras indicam que aqueles que se favorecem da irregularidades são clientes que possuem condições de quitar suas faturas. Nos setores industriais e comercial, os que manipulam a medição têm "benefícios" no mercado ao oferecerem produtos mais baratos e, portanto, mais acessíveis, tendo em vista que a energia efetivamente consumida não está sendo considerada na composição do seu preço final.
Não observar estes fatores é típico de uma sociedade que se acostumou, em especial nos grandes centros, com crimes mais impactantes, fazendo parecer que fazer um "inocente gato" não é um delito. Claro está que estamos diante de um problema que é muito mais ético do que econômico.
Sob a ótica da sustentabilidade, o que o Brasil perde com a energia furtada e fraudada daria para abastecer Minas Gerais por um ano. Por certo, muitas usinas que hoje estão em construção e são tão questionadas sob o enfoque ambiental não precisariam sair do papel.
De concreto, observa-se que quase duas décadas após o início das privatizações e depois de bilhões de reais investidos em novas tecnologias no combate ás perdas, os percentuais hoje apurados são muito similares aos do passado, em especial no Rio de Janeiro.
E por maior que seja a fiscalização para o combater o "gato", verifica-se que a cultura popular não considera essa prática como ilícito. Com isso, as empresas detectam as irregularidades e regularizam a medição e mais tarde se surpreendem ao verificar que os mesmos usuários voltaram a cometê-lo.
O usuário e a sociedade em geral devem entender que, com a redução das perdas comerciais, todos serão beneficiados com (i) uma melhor qualidade de serviços; (ii) a redução do número de interrupções de energia provocada pelo manuseio da rede por pessoas não qualificadas; e (iii) ausência de sobrecarga no sistema.
Mais motivos para conscientizar a população de que burlar o consumo de energia elétrica constitui crime passível de ação penal. Imprescindível é, portanto, o entendimento de que a energia elétrica é um bem público essencial; e para que haja continuidade em sua prestação, são necessários investimentos vultosos.
O "gatos" impactam seriamente o fluxo de caixas da distribuidora e fazem com que o usuário honesto e adimplente seja prejudicado por aquele que usufrui do serviço, mas não paga por ele.
Estes graves problemas, isto é, perda de receita das concessionárias e do Estado, necessidade de aumento na geração para compensar o desperdício, impacto na tarifa, ilicitudes cometidas por quem, pelo aspecto financeiro, não precisa, fazem com que os consumidores de energia elétrica sejam aqueles que mais manipulam as redes, medidores.
Enfim, buscam sempre uma forma de burlar o efetivo consumo. Por fim, clamo a toda sociedade e seus stakeholders que repulsem e combatem este ciclo vicioso e criminoso que, infelizmente, faz do nosso estado o número 1 do Brasil em "gatos", o que por cento está longe de ser o pódio que almejamos.
Entendo que um dos caminhos para a solução do problema é a criação de uma lei federal que contemple o interesse social, a segurança das instalações e das pessoas, a modalidade tarifária e os princípios da legalidade, veracidade, moralidade, boa-fé, o direito dos usuários honestos, a observância das normais da agência reguladora etc.
Enquanto não a temos em nosso ordenamento jurídico, seria prudente e coerente que a sociedade atentasse que este grave problema que afeta a todos e deve ser tratado como crime, com punições duras e exemplares.