16 de setembro de 2024
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Tribunal de Apelação dos EUA decide a favor de editoras de livros em disputa judicial com a plataforma Internet Archive
No dia 4 de setembro, o Tribunal de Apelações do Segundo Circuito dos Estados Unidos (EUA) decidiu que um dos projetos de disponibilização gratuita de livros da plataforma Internet Archive, chamado Free Digital Library, constituía uma violação à lei de direitos autorais norte-americana (Copyright Act). O caso envolve uma disputa judicial entre as quatro maiores editoras de livros dos EUA e a plataforma virtual. A discussão principal do processo analisava se esta prática de digitalização e empréstimo de cópias de livros se qualificava ou não como uso justo nos termos da Lei de Direitos Autorais dos EUA.
O serviço Free Digital Library, fundado em 2011, criava cópias digitais de livros impressos e as publicava no site do Internet Archive, onde os usuários poderiam acessá-los na íntegra, gratuitamente. Em 2020, as editoras de livros processaram a plataforma, sob o argumento de que o serviço infringia seus direitos autorais ao disponibilizar de maneira gratuita 127 livros sob os quais possuíam os direitos exclusivos de publicação. O Internet Archive, por sua vez, alegou em sua defesa que a plataforma estava amparada na exceção do uso justo, que permite o uso de materiais protegido por direitos autorais sem a necessidade de autorização do detentor (como no caso de matérias jornalísticas, ensino e pesquisa, por exemplo), se obedecidos determinados requisitos, nos termos da Seção 107 da Lei de Direitos Autorais norte-americana.
Na primeira instância, o Tribunal Distrital dos EUA para o Distrito Sul de Nova York rejeitou a defesa do Internet Archive, entendendo não se tratar de uso justo, e argumentando que o uso das cópias de livros pela plataforma: (i) não era transformador, já que o site reproduzia as obras na íntegra; (ii) era comercial, mesmo embora o Internet Archive não tenha fins lucrativos, a plataforma explorava as obras solicitando doações em seu site e recebendo uma parte dos lucros quando os usuários compram um livro físico através de determinado link; (iii) que o website estava copiando os livros e; (iv) o Internet Archive atuava como um “substituto concorrente para as licenças de livros eletrônicos, usurpando um mercado que pertence adequadamente ao detentor dos direitos autorais”.
Em fase de apelação, a plataforma argumentou que sua Free Digital Library tem caráter transformador porque usa tecnologia “para tornar o empréstimo mais conveniente e eficiente” e “entrega a obra apenas para quem já tem o direito de visualizá-la – a única pessoa que toma o livro emprestado de cada vez”. Além disso, a ré afirmou que o serviço “permite usos que não são possíveis com livros impressos e físicos”, como, por exemplo, permitir que autores que escrevam artigos on-line e façam um link direto para um livro digital na biblioteca.
Assim, primeiro, o tribunal de apelação concluiu que uso dos livros pela Internet Archive não era transformador, uma vez que criava cópias digitais dos livros e distribuía essas cópias para seus usuários na íntegra, gratuitamente. Além disso, o julgador enfatizou que as cópias digitais não forneciam críticas, comentários ou novas informações sobre os originais. Tampouco “acrescentavam algo novo, com um propósito adicional ou um caráter diferente, alterando os originais com nova expressão, significado ou mensagem”. A decisão acrescentou que os livros digitais da plataforma “possuíam exatamente o mesmo propósito que os originais: tornar as obras dos autores disponíveis para leitura”.
Depois, a decisão considerou se o uso feito a partir dos livros tinha propósitos comerciais ou apenas educacionais, outro critério importante usando para verificar o uso justo. Aqui, ao contrário do tribunal distrital, o tribunal de apelação constatou que o uso das obras digitais pelo Internet Archive não tinha natureza comercial. Nesse ponto, justificou que a plataforma é uma entidade sem fins lucrativos e que distribui seus livros digitais gratuitamente, mesmo que solicitasse fundos para se manter, por meio de doações. Ainda, analisou que o site não lucrava diretamente com a Free Digital Library, uma vez que oferecia o serviço de maneira gratuita, bem como que a parceria com uma livraria era um argumento muito atenuado para que caracterizar o propósito da plataforma como comercial.
Já sobre a quantidade e a substancialidade da parte usada em relação à totalidade da obra protegida por direitos autorais, outro fator usado para analisar o uso justo com base no art. 17 U.S.C. § 107(3) da Lei de Direitos Autorais americana, o tribunal ficou do lado das editoras por entender que a plataforma, de fato, copiou as obras protegidas em sua totalidade e distribuiu as cópias ao público na íntegra. Também, a decisão considerou que o Internet Archive não cumpriu seu “ônus de provar que o uso secundário dos livros não concorre nos mercados relevantes das editoras, dado que “se fosse aprovado o uso das obras pela Internet Archive, haveria poucos motivos para os consumidores ou bibliotecas pagarem aos editores pelo conteúdo que poderiam acessar gratuitamente no site”.
Por fim, o tribunal decidiu que os benefícios gerados ao público a partir do serviço Free Digital Library, como a facilitação do acesso à leitura e ao conhecimento, não pode ser colocado acima das leis que protegem os trabalhos dos autores a longo prazo. Sem elas, segundo a decisão, não há incentivo para a produção de novos trabalhos criativos, e por isso, nesse ponto, também deu razão as editoras. Dessa maneira, o julgamento do tribunal de apelação se deu no sentido de reconhecer as infrações aos direitos autorais pelo Internet Archive, negando que o serviço de disponibilização de livros se trata de uma forma de uso justo por parte da plataforma e mantendo a condenação do Internet Archive para cessar o serviço “Free Digital Library”.
A decisão pode ser acessada através do link: Hachette v. Internet Archive