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Treinamento de IA e fair use: Corte dos EUA valida uso de obras legais e rejeita cópias pirateadas

08 de julho de 2025

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Treinamento de IA e fair use: Corte dos EUA valida uso de obras legais e rejeita cópias pirateadas

Em decisão publicada em junho de 2025, a Corte Distrital dos Estados Unidos para o Distrito Norte da Califórnia reconheceu que o uso de obras protegidas por direitos autorais para o treinamento de modelos de linguagem por sistemas de inteligência artificial pode, em determinadas circunstâncias, configurar fair use (uso justo), nos termos da Seção 107 da lei americana de direitos autorais (U.S. Copyright Act). Por outro lado, o tribunal afastou a aplicação da doutrina do uso justo em relação à manutenção, para fins gerais, de cópias pirateadas em biblioteca interna da empresa.

A controvérsia teve início em agosto de 2024, quando três autores ajuizaram ação coletiva contra a empresa Anthropic PBC, desenvolvedora do sistema de IA Claude. Os autores alegaram que suas obras foram copiadas sem autorização e utilizadas para o treinamento de modelos de linguagem, em violação a seus direitos autorais.

Ficou demonstrado nos autos que a Anthropic copiou milhões de livros, incluindo obras dos autores da demanda, a partir de duas fontes principais: bibliotecas digitais piratas e compras em larga escala de exemplares físicos, posteriormente digitalizados após a destruição dos originais.

No curso da instrução, a Anthropic solicitou julgamento antecipado (summary judgment) com base na alegação de uso justo. A Corte, ao apreciar o pedido, analisou separadamente os diversos usos realizados pela empresa, classificando-os em três categorias principais. Essas categorias foram o treinamento de grandes modelos de linguagem (Large Language Models – LLMs) com subsetores de livros; a digitalização de exemplares impressos adquiridos legalmente; e a construção e manutenção de uma biblioteca digital interna com cópias pirateadas.

Cada categoria foi analisada com base nos quatro fatores previstos no artigo 107 do U.S. Copyright Act, utilizados para aferir se determinado uso de uma obra protegida por direitos autorais configura fair use (uso justo): a finalidade e a natureza do uso – incluindo se tal uso possui caráter comercial ou se destina a fins educacionais sem fins lucrativos; a natureza da obra protegida por direitos autorais; a quantidade e a relevância da parte utilizada em relação à obra protegida como um todo; e o efeito do uso sobre o mercado potencial ou sobre o valor da obra protegida por direitos autorais.

Quanto à primeira categoria, que se refere ao treinamento de LLMs com obras obtidas legalmente, a Corte entendeu que o uso foi transformador, pois não visava replicar nem substituir os textos originais, mas extrair padrões linguísticos para gerar novas respostas. Apesar de envolver a cópia integral de obras criativas, considerou-se que essa extensão era tecnicamente necessária e que não houve impacto relevante sobre o mercado. O processo chegou a ser comparado ao de um leitor que, após assimilar estilos diversos, escreve algo novo, analogia que reforçou o caráter legítimo do uso conforme os critérios do fair use.

Quanto à digitalização de livros adquiridos legalmente para uso interno, o tribunal reconheceu elementos favoráveis ao uso justo. Em relação ao propósito e caráter do uso, a corte considerou que a substituição do exemplar físico por uma cópia digital, sem redistribuição pública, favorece o fair use, pois o uso é funcional e não expressivo. O segundo fator, que trata da natureza da obra, pesou levemente contra, dado o alto grau de proteção das obras criativas. O terceiro fator, relativo à quantidade e substancialidade do uso, favoreceu o uso justo, pois o juízo entendeu que a digitalização foi estritamente necessária para criar a cópia digital substitutiva. Por fim, o efeito no mercado foi considerado neutro, já que a cópia digital não substituiu nem prejudicou o mercado da obra original.

No que se refere à construção de uma biblioteca interna com cópias pirateadas, estabeleceu-se o entendimento de que a manutenção de obras obtidas sem autorização, ainda que para fins de treinamento, não se enquadra nas hipóteses de uso justo. Isso porque tais cópias deslocaram diretamente a demanda pelos livros originais, representando substituição de mercado “cópia por cópia”. Além disso, tratava-se de reproduções integrais de obras criativas, sem qualquer justificativa transformadora suficiente que pudesse legitimar a prática.

Em conclusão, o juízo considerou, em julgamento sumário, que, no caso em análise, houve fair use (uso justo) no emprego de obras protegidas no treinamento de LLMs, uma vez que a digitalização foi realizada a partir de exemplares adquiridos legalmente e o uso foi considerado transformativo. Em contrapartida, decidiu-se que a manutenção de cópias pirateadas em biblioteca interna não configura fair use, tendo em vista que todos os fatores previstos na legislação de direitos autorais pesaram contra essa prática. Ficou decidido, ainda, que haverá um julgamento para apurar a responsabilidade pela utilização das cópias piratas na criação da biblioteca central da Anthropic, bem como os danos decorrentes dessa conduta.

A decisão pode ser acessada através do link:  ORDER ON FAIR USE

 

 

 

 

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