29 de outubro de 2024
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TJSP decide que time de futebol Corinthians poderá manter e utilizar seu hino, em disputa judicial envolvendo os direitos autorais da obra
Em sentença proferida no dia 30 de setembro, uma juíza da 30ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que o clube esportivo Corinthians possuía direito de utilizar o próprio hino, sem o pagamento de nenhum direito autoral. O processo foi movido por duas editoras que cobravam do clube paulista pela remuneração sobre os direitos autorais da música, composta pelo radialista paulistano Benedito Lauro D`Avila e lançada em 1952, sob o título “Campeão dos Campeões”.
Em 2014, 25 anos depois do falecimento do compositor, o clube recebeu uma notificação de uma das editoras representando os interesses dos herdeiros do autor, informando ter conhecimento acerca da utilização do hino pelo clube e solicitando que entrassem em contato, para fins de resguardo dos interesses dos herdeiros e demais titulares, com base em um contrato de edição registrado no Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), datado de 1969, em nome da editora. Por sua vez, o Corinthians alegou que firmou um acordo verbal com o radialista Lauro D’Avila, compositor do hino, em 1955. Segundo o clube, o contrato verbal permitia o livre uso da letra como forma de promoção e institucionalização, sem cobrança de valores, em troca da divulgação da obra e do nome do compositor.
No julgamento, foi declarado válido contrato verbal feito pelo clube com o autor da música, Benedito Lauro D’Avila, para uso gratuito da obra intitulada “Campeão dos Campeões”. De acordo com a juíza do caso, a magistrada Marcella Leal Restum, “tendo em vista a data dos fatos, sendo o contrato verbal a que se visa reconhecimento celebrado em 1955, é aplicável o regime jurídico do Código Civil de 1916. Isso porque o evento em questão ocorreu sob a vigência desse diploma legal e na ausência de regulamentação específica sobre o tema dos direitos autorais”.
A argumentação encontrou amparo no princípio do tempus regit actum, ou seja, as normas aplicáveis a um fato jurídico são aquelas vigentes no momento de sua ocorrência. Assim, segundo o artigo 1079 do Código Civil de 1916, “a manifestação da vontade, nos contratos, pode ser tácita, quando a lei não exigir que seja expressa”. Ainda, a juíza pontuou que “foi comprovado que a carreira do autor da obra em análise, como compositor de obras musicais foi dedicada, quase integralmente, ao universo do Sport Club Corinthians Paulista, com a maior parte de suas criações dedicadas ao clube autor”. Desse modo, a decisão trata também sobre a validade dos termos do contrato verbal firmado em vida pelo autor com o clube mesmo com seu falecimento, uma vez que os sucessores “herdam os direitos sob os mesmos termos acordados pelo autor, e, após sua morte, os herdeiros ou eventuais cessionários de direitos não podem pretender modificar retroativamente um contrato válido, que já vinha sendo cumprido pelas partes durante o período de vida do autor”.
Nesse sentido, o tribunal concluiu que “de fato houve uma concessão mútua de direitos: enquanto o clube concordou com a utilização do seu nome e imagem, direitos da personalidade, o compositor da obra concordou com a utilização desta pelo clube, sem a cobrança de quaisquer valores. Desta maneira, caracterizada está a existência de um acordo no qual, de um lado, há a autorização para o uso do nome e imagem do clube, e, de outro, a permissão para a utilização da obra, sendo ambas as concessões realizadas de forma gratuita, sem qualquer cobrança de valores. Demonstrando, assim, o intuito de colaboração mútua”.
A magistrada ressaltou também a questão da proteção da memória e do legado do compositor. Aqui, a decisão observa que “se o hino foi uma obra elaborada como uma homenagem ao clube, é razoável supor que o autor, em vida, teria desejado que sua contribuição continuasse sendo usada pelo clube, como uma parte permanente de sua história. Assim, impedir seu uso ou pretender alguma cobrança por ele poderia ser visto como uma distorção da vontade do falecido, ferindo sua memória. Desta maneira, pode-se inferir que o compositor não desejaria que a utilização gratuita de sua obra pelo clube fosse motivo de controvérsia, mas sim que refletisse seu verdadeiro propósito, sendo preservada como um legado para os torcedores”. Por fim, foi reconhecida judicialmente a validade do contrato verbal, garantindo a exploração, por parte do Corinthians, dos direitos patrimoniais sobre seu hino.
A decisão comentada está em linha com decisão proferida na Apelação Cível n. 60906/2006, proferida pela Sétima Câmara Cível do TJRJ, em 18 de abril de 2007, em caso similar envolvendo o hino do clube de Futebol do Rio de Janeiro, Fluminense.
A decisão pode ser acessada através do link: Processo nº: 1130836-69.2022.8.26.0100