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STF declara a inconstitucionalidade parcial do artigo 19 do Marco Civil da Internet e amplia a responsabilidade das plataformas digitais

27 de junho de 2025

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STF declara a inconstitucionalidade parcial do artigo 19 do Marco Civil da Internet e amplia a responsabilidade das plataformas digitais

Na quinta-feira (26), o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento de dois recursos com repercussão geral, que tratavam da responsabilidade civil de plataformas digitais por conteúdos publicados por terceiros. Por maioria de votos, a Corte declarou a parcial inconstitucionalidade do artigo 19 da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet – MCI). O dispositivo, que exige ordem judicial específica para responsabilizar civilmente os provedores de aplicações de internet por danos causados por conteúdos de terceiros, foi considerado parcialmente inconstitucional, por não prever proteção suficiente em casos de violações graves a bens jurídicos constitucionais de alta relevância, como os direitos fundamentais.

No julgamento, o STF analisou dois casos concretos que deram origem à controvérsia. No RE 1057258 (Tema 533), de relatoria do ministro Luiz Fux, o recurso interposto por um provedor de aplicações na internet buscava reverter sua condenação ao pagamento de danos morais, em razão da não remoção de conteúdo ofensivo publicado por alunos contra uma professora em uma comunidade virtual. A Corte deu provimento ao recurso, afastando a condenação do provedor. Já no RE 1037396 (Tema 987), relatado pelo ministro Dias Toffoli, discutia-se a omissão de uma plataforma digital diante de um perfil falso em rede social, que utilizava a imagem de uma usuária para praticar ofensas. Mesmo após notificação privada, a empresa recusou-se a remover o conteúdo, sob o argumento de que a exclusão somente deveria ocorrer mediante ordem judicial. Em segunda instância, a plataforma foi responsabilizada a pagar indenização pela não remoção do conteúdo, tendo esta recorrido da decisão. Nesse caso, o Supremo negou provimento ao recurso extraordinário, mantendo, por maioria, a decisão.

Ambos os processos abordavam a responsabilidade civil dos provedores pela não retirada de conteúdos gerados por terceiros. Dada a relevância do tema, o STF reconheceu a repercussão geral, o que significa que a decisão terá efeito vinculante para casos semelhantes.

Para solucionar a controvérsia, o Tribunal examinou a constitucionalidade dos artigos 19 e 21 do MCI. O art. 19, em sua redação original, estabelece que o provedor de aplicações na internet só pode ser responsabilizado civilmente caso, após ordem judicial específica, deixe de remover conteúdo apontado como infringente de direito de terceiro. O art. 21, por sua vez, prevê exceção ao disposto no artigo 19 e responsabiliza subsidiariamente o provedor de aplicações de internet que, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização de conteúdo indevido, nos casos de violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado.

Por ampla maioria (8 votos entre 11), o STF considerou o artigo 19 do MCI parcialmente inconstitucional, não pelo conteúdo que expressa — a exigência de ordem judicial —, mas por sua omissão ao não prever hipóteses excepcionais além daquelas já contempladas no artigo 21 da mesma lei. Com isso, a Corte declarou a inconstitucionalidade parcial do artigo 19, com efeitos prospectivos (modulação), e estabeleceu novas diretrizes para orientar os tribunais até que o Congresso Nacional eventualmente edite regulamentação específica sobre o tema.

A tese fixada pelo STF distingue três situações principais: (i) casos em que a responsabilização do provedor depende do descumprimento de ordem judicial para a remoção de conteúdo solicitado pelo usuário; (ii) hipóteses em que a mera notificação extrajudicial é suficiente para gerar responsabilidade civil; e (iii) situações em que a plataforma tem um dever prévio de cuidado para evitar a disseminação de conteúdos manifestamente ilícitos.

Na ausência de nova legislação, o STF determinou que o art. 19 do MCI deve ser interpretado de forma que os provedores de aplicações de internet estão sujeitos à responsabilização civil, ressalvada a aplicação das disposições específicas da legislação eleitoral e os atos normativos expedidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O provedor de aplicações de internet será responsabilizado civilmente, nos termos do art. 21 do MCI, pelos danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros em casos de crime ou atos ilícitos, sem prejuízo do dever de remoção do conteúdo. Aplica-se a mesma regra nos casos de contas denunciadas como inautênticas.

Determinou-se a aplicação do artigo 19 do MCI ao (i) provedor de serviços de e-mail; (ii) provedor de aplicações cuja finalidade primordial seja a realização de reuniões fechadas por vídeo ou voz; e (iii) ao provedor de serviços de mensageria instantânea, exclusivamente no que diz respeito às comunicações interpessoais. Nos casos de crimes contra a honra, aplica-se o art. 19, sem prejuízo da possibilidade de remoção por notificação extrajudicial.

Ademais, quando um conteúdo ofensivo já tiver sido declarado ilegal por decisão judicial e for replicado em diferentes plataformas, todas deverão removê-lo, uma vez notificadas, judicial ou extrajudicialmente, sem necessidade de nova decisão.

Os provedores de aplicações de internet que funcionarem como marketplaces respondem civilmente de acordo com o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).

Quanto às situações excepcionais destacadas, o provedor de aplicações de internet é responsável quando não indisponibilizar de forma imediata conteúdos que configurem práticas de crimes graves. Nesses casos, as plataformas deverão agir imediatamente, sob pena de responsabilização civil, para tornar indisponíveis conteúdos que configurem, por exemplo, incitação ao ódio, racismo, pornografia infantil, ataques ao Estado Democrático de Direito, crimes contra a mulher, contra a população LGBTQIA+, contra crianças e adolescentes, e tráfico de pessoas. Nesses casos, não será exigida nem ordem judicial, nem notificação extrajudicial: a simples detecção do conteúdo impõe o dever de remoção imediata, sendo a omissão considerada ilícita.

Ficou ainda estabelecida a presunção de responsabilidade nos casos em que houver impulsionamento pago de conteúdo ilícito ou uso de redes artificiais de distribuição, como robôs ou “chatbots”, salvo se o provedor demonstrar que agiu com diligência para promover a remoção célere.

O STF também determinou novos deveres de transparência para os provedores, como a criação de canais acessíveis para denúncias, a elaboração de relatórios anuais e a implementação de mecanismos que assegurem o devido processo. Foi garantida, ainda, a possibilidade de o autor do conteúdo removido requerer judicialmente a sua restauração.

Com relação à natureza da responsabilidade, a Corte Constitucional afirmou que não haverá responsabilidade objetiva na aplicação da tese enunciada.

Ao final do julgamento, o ministro Luís Roberto Barroso destacou que a decisão buscou um caminho intermediário entre o modelo anterior, que exigia obrigatoriamente o descumprimento de decisão judicial para responsabilização, e o modelo europeu, que prevê a responsabilização após descumprimento de notificação privada.

A tese de repercussão geral pode ser acessada pelo link:  https://noticias-stf-wp-prd.s3.sa-east-1.amazonaws.com/wp-content/uploads/wpallimport/uploads/2025/06/26205223/MCI_tesesconsensuadas.pdf

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