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David Merrylees por Ivan Ahlert

16 de setembro de 2024

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David Merrylees por Ivan Ahlert

Ivan Bacellar Ahlert

 

O David Merrylees formou-se em Engenharia pela Universidade de Oxford, era especialista em patentes credenciado pelo Chartered Institute of Patent Agents e trabalhou para o escritório londrino Abel & Imray. Em 1969, foi contratado pelo Dr. Peter Siemsen e passou a trabalhar em nosso escritório. Até onde sabemos, o David foi o primeiro profissional de patentes com uma formação acadêmica na área. Até então, engenheiros aprendiam o ofício na prática diária, pois não havia cursos preparatórios no Brasil que só foram se iniciar muitos anos mais tarde, oferecidos pela ABAPI.

Com esse perfil, David treinou as gerações seguintes de profissionais na área de patentes com muita competência e paciência, criando um grande diferencial no nosso escritório.

Quando me candidatei a uma vaga no escritório em agosto de 1981, foi o David que me entrevistou. Pediu que eu descrevesse a ele como funciona mecanicamente um interruptor de luz, o que eu soube responder, mais por gostar de desmontar coisas dentro de casa, do que pelo que já havia aprendido na faculdade de engenharia.

O primeiro pedido de patente que eu redigi, para um apoio de pé regulável para passageiros de ônibus, eu “herdei” do meu colega José Santa Rita. Ele acabou desistindo porque cada vez que levava um rascunho do pedido para o David rever, o David sugeria algumas mudanças. Quando ele comentou que não queria mais fazer aquilo, me predispus na mesma hora a continuar o trabalho e, então, foi a minha vez de tentar passar pelo crivo rigoroso do David. Também fui e voltei algumas vezes até que ele se deu por satisfeito. O David tinha um grau de exigência bastante elevado, talvez porque acreditasse, como me parece que é o caso, que aprender a redigir um pedido de patente e a formular suas reivindicações são as bases para a aquisição de uma compreensão sólida sobre patentes.

O David era ao mesmo tempo uma pessoa exigente e amigável, além de comunicativo. Gostava de passar pelas salas dos profissionais, às vezes aproveitando o pretexto de procurar a melhor tradução para algum termo técnico. Com sua inteligência e domínio da escrita, era a quem recorríamos quando tínhamos que reportar alguma decisão desfavorável do INPI em um caso importante.

David me introduziu ao Comitê de Patentes da ABPI do qual, na época, era coordenador, juntamente com o Maurício Leonardos do então escritório Momsen Leonardos. Lembro que por ocasião de uma reunião do Comitê de Patentes em Salvador, em um Seminário da ABPI em 1989, eu com 8 anos de escritório, sem qualquer aviso prévio ele me pediu para relatar aos membros do comitê a situação dos modelos de utilidade e as minhas críticas à maneira como o INPI os examinava. David gostava de delegar responsabilidades aos mais jovens, como uma forma de acelerar seu amadurecimento profissional. Alguns anos depois, eu pediria ao David para deixar que eu o substituísse na coordenação do Comitê, o que ele aceitou prontamente.

David e Maurício foram também delegado e subdelegado brasileiros na FICPI por vários anos. O David tinha uma capacidade extraordinária para, sem preparo algum, opinar com desenvoltura sobre os temas debatidos nas reuniões do Comitê Executivo da FICPI, diante de uma audiência de cerca de 80 a 100 delegados. David era muito querido e respeitado na FICPI. Um colega inglês, o Julian Crump – que viria a ser presidente da FICPI – me disse uma vez que o QI médio subia quando o David entrava na sala de reunião. Na FICPI, além de delegado, David foi presidente do comitê de Deontologia, membro de honra e membro emérito.

Foi o David também que me introduziu em 1998 ao grupo 3 do CET da FICPI que era dedicado ao estudo das questões internacionais de patentes. Na primeira reunião de que participei ao lado dele, um dos participantes perguntou como podíamos nos insurgir contra uma proposta contida em uma minuta de tratado da OMPI que restringiria a atuação dos procuradores locais, ao que respondi, timidamente, que podíamos defender o livre exercício da profissão com base em um artigo da Convenção da Paris que confere aos países membros autonomia para legislar sobre a nomeação de procuradores em cada país. David deve ter rido por dentro. Ele sabia que eu sempre gostei de estudar esses assuntos. Dois anos mais tarde, estávamos David (pela ABPI), eu (pela ABAPI) e John Orange (presidente da FICPI) defendendo essa posição durante a Conferência Diplomática para adoção do Patent Law Treaty (PLT). Conseguimos trazer cinco votos de países latino-americanos, incluindo o Brasil, para a nossa posição, o que ajudou a criar um impasse que só foi superado por uma emenda ao artigo a que nos opúnhamos, que lhe reduziu o escopo.

Novamente na linha das surpresas que o David me apresentava, quando cheguei em Newport Beach, California, em 2002 para a minha primeira participação em uma reunião do Comitê Executivo da FICPI, David me comunicou que havia sugerido meu nome para fazer uma apresentação em uma conferência da OMPI em Genebra na semana seguinte, substituindo o presidente da FICPI que estava doente, para onde eu iria inicialmente apenas como ouvinte.

David gostava de se manter fisicamente ativo. Além da vela, de que gostava muito, enquanto estávamos ainda na sede da Rua Marques de Olinda, algumas vezes ele jogou squash com nosso pequeno grupo. Não perdeu uma chance de corrigir minha pronúncia americana de “squésh” para a britânica “squósh”.

No escritório, David foi chefe de patentes, chefe da informática e, finalmente, sócio sênior, sucedendo ao Dr. Peter Siemsen após décadas deste na liderança do escritório. O David ainda permaneceu algum tempo no escritório após sua aposentadoria como sócio aos 70 anos.

Ainda tive algumas oportunidades de me encontrar com ele já aposentado. Em uma dessas vezes, por ocasião de um evento da ASIPI em homenagem ao Dr. Peter no Gávea Golfe, achei o David com uma aparência tão jovial que perguntei se ele havia feito uma plástica, ao que ele me respondeu que não.

Nos encontramos pela última vez, socialmente, no dia 19 de julho de 2024 em um jantar que Denise e eu oferecemos a ele. Parecia muito bem e bem-humorado como sempre.

Soubemos no Conselho de sua internação em uma segunda-feira, 9 de setembro de 2024. David faleceu no dia 12 de setembro de 2024.

Na minha opinião, juntamente com Peter Siemsen e Gert Dannemann, David Merrylees formou um pilar triplo de gigantes que ajudaram a moldar o escritório que temos hoje.

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