Yannick Schweizer
Advogado Dannemann Siemsen
Admitido no Brasil e em Nova Iorque, bem como qualificado para praticar a advocacia na Suica. Apos ter atuado na Su[...]
saiba +por Felipe Dannemann Lundgren e Yannick Schweizer
13 de fevereiro de 2019
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No último ano, observamos um verdadeiro derretimento no valor das chamadas “criptomoedas”. No entanto, para o mundo jurídico, o que realmente importa é a tecnologia que está por trás dessas “criptos”, a famosa cadeia de blocos imutáveis, ou simplesmente “blockchain”, com aplicação potencial em quase todas as áreas do direito.
O blockchain é uma espécie de banco de dados digital de crescimento contínuo, que pode ser usado para registrar ou rastrear transações. Em determinados intervalos de tempo, o sistema produz um “bloco” de novas transações e tal bloco de informações é adicionado à cadeia de blocos anteriores.
O registro de criações em blockchain permite, portanto, prova robusta sobre o momento de criação de obras originais.
Os blocos assim criados são imutáveis, distribuídos de forma descentralizada na rede e interligados entre si de forma criptografada. Uma vez que determinada transação é registrada em uma rede blockchain, é virtualmente impossível apagala ou modificar seu conteúdo, cujo histórico, diga-se de passagem, pode ser verificado por qualquer um.
São principalmente essas características – imutabilidade, descentralização e transparência – que geram um tremendo interesse nessa tecnologia.
Na área de propriedade intelectual, o blockchain tem potencial para oferecer soluções alternativas ou complementares bastante interessantes aos métodos já utilizados para a proteção de ativos imateriais.
No Brasil, as chamadas “criações do espirito”, por exemplo, textos, filmes, músicas, fotografias, desenhos, artigos científicos, slogans etc. merecem proteção via direito autoral e independem de registro.
No entanto, a comprovação de autoria, particularmente da data da criação da obra intelectual, torna-se extremamente importante em situações de conflito, ou em casos em que a obra é utilizada por terceiros sem autorização do autor.
Atualmente, é possível obter registro para tais obras em órgãos como a Biblioteca Nacional, a Escola de Belas Artes e até mesmo em cartórios. Tais opções, entretanto, são muitas vezes excessivamente burocráticas, lentas e/ou caras, tornandoas pouco atrativas para a proteção de determinados tipos de criações intelectuais, por exemplo coleções de roupas ou filmes publicitários.
É neste cenário que a tecnologia blockchain pode ser utilizada de forma bastante simples e efetiva. Como delineado acima, além de serem imutáveis, as transações registradas em blockchain são datadas e ganham assim um “timestamp”. O registro de criações em blockchain permite, portanto, prova robusta sobre o momento de criação de obras originais.
Já existem, inclusive, inúmeras ferramentas oferecendo este tipo de serviço na internet ou por meio de aplicativos.
Até o momento, desconhecemos a existência de decisões judiciais no Brasil reconhecendo a admissibilidade de provas registradas em blockchain, sobretudo na área de propriedade intelectual. Considerando, todavia, o disposto no Código de Processo Civil (CPC), que determina a admissibilidade de todos os meios de prova no ordenamento jurídico brasileiro, não vislumbramos, em princípio, qualquer óbice à utilização de documentos registrados em blockchain em nosso país.
Já existe, inclusive, legislação pioneira no estado norte-americano de Vermont reconhecendo a validade de dados registrados eletronicamente em blockchain.
No exterior, a tecnologia blockchain já começa a ser utilizada como meio de prova em disputas judiciais, valendo destacar uma decisão proferida em junho de 2018 pelo Tribunal da Internet de Hangzhou, no âmbito de uma ação de violação de direitos autorais relacionada ao conteúdo de um artigo jornalístico cujo hash havia sido registrado nas blockchains Factom e Bitcoin (caso Hangzhou Huatai Yimei Culture Media Co., Ltd. vs. Shenzen Daotong Technology Development Co., Ltd.).
A Corte chinesa considerou que tais registros constituíam provas confiáveis e eram suficientes para serem legalmente aceitas, julgando a ação judicial com base em tais provas. Em seguida, em setembro de 2018, a Suprema Corte da China determinou que os chamados Tribunais da Internet deviam reconhecer a legalidade de provas registradas em blockchain, desde que o processo de registro tenha ocorrido de maneira regular.
O registro de criações intelectuais é apenas um exemplo das possibilidades de aplicação da blockchain em questões jurídicas. A rigor, tal tecnologia tem potencial para ser aplicada em praticamente todos os ramos do direito, restando saber, entretanto, qual será a reação do Judiciário brasileiro a respeito de sua admissibilidade em juízo.
A nosso ver, todos os operadores do direito, bem como empresas e indivíduos, já devem considerar a utilização da tecnologia blockchain para a proteção de suas criações e direitos, sobretudo quando as vias tradicionais, atualmente existentes, não atendem às necessidades do mercado, seja em razão dos custos, do tempo de duração ou das excessivas formalidades exigidas durante o processo.