Marcelo Mazzola
Partner, Lawyer, Industrial Property Agent
Marcelo has been working for almost 20 years in the intellectual property field. He is Vice-President of Intellectu[...]
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November 02, 2021
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Não se pretende debater neste texto nenhum julgado acerca das medidas coercitivas do art. 139, IV, do CPC – tema que é sistematicamente enfrentado pelo STJ[1] –, mas sim apresentar a potencialidade das medidas indutivas, que estão disciplinadas no mesmo dispositivo legal e ainda não foram debatidas com profundidade no âmbito dos tribunais.
De acordo com o art. 139, IV, do CPC/15[2], o juiz pode determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.[3]
Alguns doutrinadores entendem que medidas mandamentais, indutivas e coercitivas são “rigorosamente a mesma coisa. Trata-se de meios de execução indireta do comando judicial. Sem distinções”.[4] Já outra parcela da doutrina assinala que as medidas coercitivas são, na verdade, espécies de medidas indutivas.[5]
Controvérsias à parte, e respeitadas as opiniões em contrário, não se pode equiparar ou confundir[6] medidas coercitivas com medidas indutivas.[7]
Em linhas gerais, as medidas coercitivas são aquelas que pressionam o devedor a adimplir a obrigação indicada na decisão. Alguns exemplos (típicos) são as astreintes[8], a prisão do devedor de prestação alimentar, a inclusão do executado no cadastro de inadimplentes e o protesto da decisão judicial.
Por sua vez, as medidas indutivas, embora também objetivem “pressionar” o devedor a cumprir a obrigação, distinguem-se das coercitivas em razão da natureza e da consequência jurídica.[9]
Nas coercitivas, o que se quer é pressionar e constranger, enquanto nas indutivas o que se busca é influenciar positivamente, motivar e seduzir.
Nas coercitivas, existe, a rigor, uma consequência negativa (por exemplo, a incidência de uma multa), caso a obrigação não seja cumprida. Já nas indutivas, há uma consequência positiva (a sanção premial atípica[10]) para estimular o cumprimento do comando, sendo que o sujeito não é penalizado se não adotar a conduta (apenas não fará jus ao benefício)[11]. Há, por assim dizer, uma facultatividade incapaz de gerar, por si só, qualquer punição.
Bem vistas as coisas, as medidas indutivas do art. 139, IV, do CPC devem ser compreendidas como o gênero do qual são espécies as sanções premiais atípicas e os nudges[12]. Isso porque ambas as figuras se conectam à ideia de indução de comportamento. E, nesse campo indutivo, o juiz pode exercer papel relevante, funcionando como um arquiteto de escolhas.
Em termos simples, o nudge[13] é um “cutucão” ou um “empurrão”, que tem como objetivo estimular determinada conduta, “sem, contudo, restringir a liberdade de decisão desta”[14].
Como assinala Rafael Sirangelo de Abreu, um nudge é todo aspecto da arquitetura de escolha que “altera o comportamento dos agentes de maneira previsível, sem retirar do agente nenhuma opção ou alterar significativamente os incentivos econômicos ligados à tomada de decisão”[15].
Trata-se de um indutor de comportamentos[16]. Ou seja, não é uma ordem imperativa, mas sim um facilitador para a tomada de decisão em determinado sentido, sendo que o comportamento desejado não pode ser obrigatório[17].
São várias as possibilidades de nudges no campo do processo civil.
Por exemplo, no corpo do mandado de citação, em vez de indicar apenas as penalidades e as consequências negativas (caso o réu não compareça à audiência do art. 334 do CPC/15; não conteste a ação, não pague o valor devido etc.), o que ocorre com alguma frequência, o juiz pode mencionar também as consequências jurídicas positivas, ou seja, os prêmios previstos pelo próprio código (isenção de custas, redução de honorários etc. – vide, a propósito, os arts. 90, §§ 3º e 4º, 827, § 1º, e 916 do CPC). Eventualmente, a parte que recebe o mandado pode se interessar pelas vantagens (análise de custo-benefício), consultando seu advogado, se for o caso. Nesse particular, técnicas de visual law inseridas nos mandados podem facilitar o entendimento do devedor acerca das vantagens e desvantagens em adotar (ou não) determinado comportamento.
Com o avanço da tecnologia, é possível incrementar os nudges. Por exemplo, no processo de execução (em que há previsão expressa de redução dos honorários pela metade, se o débito for pago no prazo de três dias) e da ação monitória (que prevê a isenção das custas processuais, se o réu cumprir a obrigação no prazo de 15 dias), os respectivos mandados e/ou o próprio sistema judicial já poderiam apontar o valor a ser economizado, atraindo o interesse do devedor. Também poderia ser disponibilizada uma estimativa da evolução dos juros em caso de não pagamento (em um horizonte de 12 meses), para lembrar ao devedor que o débito pode aumentar exponencialmente.
No que tange às sanções premiais atípicas, estas são os prêmios (benefícios, vantagens, recompensas) criados pelo próprio juiz para estimular determinado comportamento. Importante consignar que o eixo de deslocamento do juiz, isto é, sua zona de movimentação para a criação dos prêmios, perpassa essencialmente por aquilo que lhe diga respeito diretamente, ou seja, os seus poderes (escalonar multas de forma decrescente, autorizar o somatório de prazos em obrigações distintas, oferecer a celebração de calendário processual etc.).
De qualquer forma, é fundamental que existam critérios de controle, a fim de minimizar os riscos de eventuais arbitrariedades. Entre esses critérios, destaca-se: a) impossibilidade de o juiz afetar direito alheio (não pode fazer graça com o chapéu alheio); b) a proibição de transferir externalidades ao Judiciário; c) a necessidade de fundamentar adequadamente o comando premial; e d) a importância de observar a proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito).
Dois exemplos podem ilustrar a potencialidade das sanções premiais atípicas.
Suponha-se que, em ação de obrigação de fazer (no caso, duas providências distintas), o juiz fixe na decisão dois prazos: dez dias para a primeira obrigação, sob pena de multa diária de R$ 500, e 30 dias para a segunda, sob pena de multa diária de R$ 2.000. Adicionalmente, ele poderia estabelecer que, se a primeira obrigação for cumprida antes do prazo de dez dias, o “saldo” dos dias poderá ser somado ao prazo anteriormente fixado para a segunda obrigação (ou seja, se a primeira obrigação for cumprida em cinco dias, a parte terá 35 dias para cumprir a segunda obrigação).
Com isso, o executado pode melhor gerenciar suas obrigações, antecipando algo que, para ele, é mais fácil e ganhando prazo adicional para cumprir a obrigação mais “complexa”. Para incrementar a referida decisão, o juiz ainda poderia estabelecer que, no caso de cumprimento antecipado da primeira obrigação, haveria a redução da multa diária de R$ 2.000 para R$ 1.000 na etapa seguinte, valorizando-se a cooperação do executado.
Outra situação: imagine-se que, em um processo estruturante[18], o município do Rio de Janeiro, após amplos debates com os envolvidos, se comprometa a criar 200 mil novas vagas em creches e pré-escolas para crianças de até cinco anos de idade, nos próximos três anos. No plano apresentado, consta a obrigação do ente público de criar 40% das vagas nos primeiros 12 meses e as restantes nos próximos 24 meses, tudo sob pena de multa diária de R$ 1.000, cabendo, ainda, o município apresentar bimestralmente relatórios completos sobre as medidas tomadas, bem como publicar avisos em jornais de grande circulação a cada seis meses acerca da disponibilidade de vagas. Nesse exemplo, seria perfeitamente possível o juiz sugerir um acréscimo ao plano (ou, eventualmente, proferir comando judicial específico) no sentido de que, se a meta dos 40% for atingida em dez meses, antes, portanto, do prazo fixado de 12 meses, a obrigatoriedade quanto ao fornecimento dos relatórios passaria a ser anual (e não mais bimestral), a multa diária da próxima etapa (para a hipótese de descumprimento) seria reduzida para R$ 500, dispensando-se, ainda, a publicação de novos avisos em jornais de grande circulação. É claro que o município pode simplesmente optar por seguir o “plano” inicial e não se antecipar a nada, mas, ao fazer uma ponderação de custo-benefício, inclusive à luz da Análise Econômica do Direito, pode ser que as vantagens inseridas no plano ou mesmo fixadas diretamente pelo juiz lhe influenciem a acelerar o cumprimento da obrigação.
Em suma, parece claro que, no cardápio da gestão processual, as medidas indutivas do art. 139, IV, do CPC (nudges + sanções premiais atípicas) são importantes ferramentas à disposição do juiz para valorizar as normas fundamentais do processo civil.