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Direitos de Propriedade Industrial: Pesquisa e Desenvolvimento

por Gert Egon Dannemann

01 de janeiro de 2002

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"O sistema fiscal brasileiro é um manicômio…Fala-se muito em reformas, mas a maioria das propostas são remendos. Equivalem a realocar quartos ou criar as paredes do manicômio. Não mudaram a doutrina psiquiátrica." ("O Manicômio Fiscal", artigo de Roberto Campos publicado em seu livro Antologia do Bom Senso, Topbooks, 1996, pág. 455 e seguintes). 

Paralelamente à falta de uma cultura de proteção da propriedade industrial, o sistema tributário brasileiro é um dos grandes responsáveis pelos modestíssimos resultados concretos das pesquisas tecnológicas realizadas no Brasil. 

Recentemente o jornal A Gazeta Mercantil, edições de 26, 27 e 28 de janeiro de 2001, sob o título "Produção científica quase não chega ao mercado do Brasil", revelou que "entre 1997 e 1999, os 48.781 pesquisadores em atividade nas instituições brasileiras, a grande maioria situada nas regiões Centro-Sul e Sul do país, publicaram artigos em revistas especializadas, aqui e no exterior. No mesmo período, no entanto, requereram apenas 946 pedidos de patente para produtos, processos tecnológicos ou programas de computador". Em suma: apenas uma a cada 365 pesquisas publicadas chega ao INPI. 

Dias depois, em entrevista publicada no Jornal do Brasil, de 9 de fevereiro de 2001, o presidente do INPI confirmou esse resultado pífio ao informar: 

"…a Embraer, empresa que usa tecnologia de ponta, quase não tem patentes concedidas no Brasil e nenhuma nos Estados Unidos, contra 116 de sua principal rival, a canadense Bombardier". 

Por sinal a Embraer foi a líder no ranking de exportadores brasileiros no ano de 2000, com vendas de 2,7 bilhões de dólares. 

O sistema tributário brasileiro está alicerçado em inúmeras leis, mais de 58, muitas delas tangendo o tema que me foi atribuído, de maneira que dentro do espaço de tempo que me foi conferido seria impossível fazer comentários sobre todas. Para exemplificar esse manicômio a que se refere o embaixador Roberto Campos, determe-ei sobre uma, para demonstrar o descaso do governo brasileiro no que concerne ao incentivo às pesquisas e ao desenvolvimentos de novas tecnologias, sobretudo no que respeita à iniciativa privada. 

Trata-se da Lei nº 10.168, de 29 de dezembro de 2000, que instituiu a contribuição de intervenção de domínio econômico destinada a financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação. 

Além de inconstitucional, como mais adiante demonstrarei, essa lei confirma o adágio corrente no Brasil, segundo o qual "de que adianta vestir um santo se para tal há que se despir outro!". 

Realmente, embora a Constituição brasileira permita ao governo federal intervir no domínio econômico, este, por meio da Lei nº 10.168/2000, o fez de maneira desastrada, criando um ônus pesadissímo para as empresas nacionais, desestimulando-as a adquirir tecnologia de ponta no estrangeiro, necessária não somente a torná-las competitivas, como também habilitando-as a criar, a partir daí, suas próprias. 

A pretexto de incentivar o desenvolvimento tecnológico brasileiro mediante programas de pesquisa científica e tecnológica cooperativa entre universidade, centros de pesquisas e o setor privado, o governo do Brasil criou uma contribuição devida pelas pessoas jurídicas sediadas no país que tenham firmado contratos de licença de exploração de patentes, de marcas, de know-how e de assistência técnica com residentes ou domiciliados no exterior (artigo 2º e seu parágrafo 1º). 

De acordo com o parágrafo 3º do artigo 2º dessa lei, a alíquota da contribuição serpa de 10% e destinar-se-á ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT. 

Tal como ocorre com a CPMF (popularmente conhecida como o imposto do cheque) e seu antecessor IPMF, a contribuição criada pela Lei nº 10.168/2000 será recolhida ao Tesouro Nacional. 

Por trás do Imposto Provisório sobre as Movimentações Financeiras-IPMF e da Contribuição Provisória sobre as Movimentações Financeiras – CPMF, estavam os programas de saúde administrados pelo Ministério da Saúde, aquele primeiro sabidamente desviado, em parte, para finalidades outras que não as originariamente fixadas. Desse modo, quem garante que a contribuição instituída pela Lei nº 10.168/2000 também não servirá a outros propósitos? 

Por que ao invés de instituir uma contribuição com a finalidade a que se refere a Lei nº 10.168/2000 o governo brasileiro não cria incentivos às empresas locais, por exemplo, de renúncia fiscal a desenvolvimentos tecnológicos por elas comprovadamente patenteados e efetivamente explorados no Brasil e no exterior, seja diretamente, seja através de licenças? 

A mim me parece que a política introduzida com essa lei, diferentemente do que o esperado pelo governo brasileiro, terá efeitos contrários, inibidores na implementação dos tipos de programas por ela visados. 

No que respeita à inconstitucionalidade da Lei nº 10.168/2000, não será necessário perder-se muito tempo para sua demonstração. 

O primeiro vício reside no fato de a Constituição Federal do Brasil permitir que o governo federal possa intervir no domínio econômico. Todavia, por tratar de matéria tributária, teria que fazê-lo via lei complementar, não ordinária, no que se refere à Lei nº 168/2000. A primeira é hierarquicamente superior à segunda e sua criação depende de maioria qualificada dos membros do Congresso Nacional. 

O segundo vício consiste na violação ao princípio da isonomia na medida em que onera as empresas brasileiras que firmem contratos de transferência de tecnologia (know-how) e de licenciamento de patentes e marcas com empresas estabelecidas no exterior. Quando esses tipos de contrato são celebrados entre empresas com sede no Brasil, a contribuição não incide. 

Independentemente do governo brasileiro onerar excessivamente a iniciativa privada no que tange ao desenvolvimento de novas tecnologias, age de forma ineficiente nos programas por ele patrocinados, que destinam altas somas para a realização de pesquisas nos mais variados setores, principalmente na área biotecnológica, em que já foram colhidos resultados espetaculares, como, por exemplo, o mapeamento e seqüenciamento da bactéria Xyllela fastidiosa, de uma doença (amarelinho) que devasta mais de 30% dos laranjais do Estado de São Paulo. Se o cenário do Brasil fosse favorável à proteção dos desenvolvimentos aqui realizados via patentes, evidentemente que os centros de pesquisas, especialmente os públicos, passariam a dispor de um acervo patrimonial bastante mais elevado, capaz de recompensar, com vantagem, os custos pessoais e materiais dispendidos com sua realização (cessão de patentes ou licenciamento destas). 

Em seminário de que participei na cidade de Veneza em setembro de 1999, representante de um centro de pesquisas do governo italiano, o Consiglio Nazionale delle Ricerche – CNR, revelou que no período compreendido entre os anos de 1990 e 1998 ele depositou 1.298 pedidos na repartição de patentes da Itália. 

Nesse mesmo período, o CNR celebrou 201 contratos de licença de patentes e de know-how, que lhe renderam cerca de 6,5 milhões de euros (aproximadamente 6 milhões de dólares). 

Releva informar, ainda, que para proteção dessas patentes o CNR contratou um escritório especializado de agentes de propriedade industrial, para requerê-las e administrá-las. 

Apesar de convencidos de que as autoridades brasileiras ainda não se deram conta da importância do sistema de patentes como meio eficaz para o enriquecimento de seu parque industrial, criação de novos empregos, recolhimento de tributos resultantes dos lucros auferidos com as vendas internas e externas de produtos manufaturados no Brasil, concorrendo em igualdade de condições com seus similares produzidos no estrangeiro, por estarem revestidos de alto teor de conteúdo tecnológico, muitos inventores domiciliados no país vêm desafiando essa situação com grande sucesso, dos quais aponto alguns exemplos. 

O primeiro deles é do inventor Eduardo de Lima Castro, recentemente falecido. Pernambucano que, como muitos nordestinos, veio para o centro-sul do Brasil, no caso para a cidade do Rio de Janeiro, com o firme propósito de mudar de vida e ali enriquecer. 

Homem criativo, inventou inúmeros tipos de selos (ou lacres) de segurança aplicáveis nos mais diferentes tipos de produto. Em bombas de gasolina (assegurando a inviolabilidade do combustível por elas injetado nos tanques de veículos), passando por selos invioláveis de placas de automóveis até sacos para acondicionar correspondência largamente usados pela ECT. Cuidou de patentear todos, no Brasil e no exterior. Seus produtos alcançaram sucesso tal que a empresa por ele constituída para explorá-los no Brasil, a ELC Produtos de Segurança, tornou-se conhecida não apenas nacionalmente, mas igualmente no exterior, graças a inúmeros contratos de licenciamento ali firmados, que lhe carrearam uma excepcional renda sob a forma de royalties

Outro exemplo é o de Helio Nicolay, inventor do mundialmente conhecido bina, dispositivo que acoplado a um aparelho telefônico identifica os números dos aparelhos que tenham efetuado chamadas para aquele em que instalado. Mercê da originalidade e sucesso alcançado por essa invenção, no início da década de 90, em solenidade ocorrida no Rio de Janeiro, seu autor foi agraciado com uma medalha de honra ao mérito pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI, entregue pelo diretor-geral dessa entidade vinculada à ONU. 

Igual láurea foi conferida pela OMPI naquela ocasião a Luiz Carlos Farah, inventor da pele artificial, aplicada como curativo em grandes queimaduras e em ulcerações do corpo humano. 

Para orgulho de nós brasileiros, a patente norte-americana nº 5.000.000 refere-se a uma invenção de que é co-autor o professor Flávio Alterthum, da USP, que tem por objeto o desenvolvimento de uma bactéria genericamente modificada – Escherichia coli – capaz de fermentar eficientemente os açúcares xilose, arabiose, manose, galactose e glicose em etanol. Até então não havia microorganismo capaz de promover tal transformação. 

Conforme depoimento prestado pelo professor Alterthum durante o XV Seminário Nacional de Propriedade Intelectual organizado pela Associação Brasileira de Propriedade Intelectual – ABPI, em 1995, na cidade de Curitiba, essa invenção, em colaboração com outros colegas, foi elaborada nos laboratórios da Universidade da Flórida e teve sua patente originariamente concedida nos EUA, porque na época a legislação de propriedade industrial vigente no Brasil não previa a proteção de microorganismos geneticamente engenheirados. 

Mais um exemplo notável de sucesso no mundo empresarial baseado na proteção de criações tecnológicas nos é dado pela empresa Embraco S.A., do Estado de Santa Catarin, que do ano de 1995 até os presentes dias requereu perante o INPI 145 pedidos de patente, na maioria convertidos em patente, sendo titular também de uma centena de patentes concedidas pela Repartição de Patentes dos EUA, sendo que exemplares de muitas delas encontram-se orgulhosamente emoldurados no seu setor de patentes. 

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Gert Egon Dannemann

Diretor Administrativo Financeiro

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